Em entrevista cedida ao repórter Raphael Carneiro, do globoesporte.com, o presidente Fernando Schmidt comentou sobre o aniversário de um ano do seu mandato no mais alto cargo do clube.
Na conversa, o presidente avalia a sua atuação e faz um comparativo entre as gestões anteriores. Schmidt também faz uma revelação polêmica em relação à arbitragem do Brasileirão. Segundo o cartola, devido à pressão que o clube tem feito na CBF, a vida do Bahia tem sido comprometida dentro dos gramados.
Eleito democraticamente em 2013, Fernando Schmidt afirmou que não tem recebido os salários conforme consta nos estatutos do tricolor e que tem vivido através de seu patrimônio e herança.
Ele diz que a decisão foi devido à legislação brasileira, que não incentiva a remuneração de dirigentes. “A partir do momento em que o dirigente de uma entidade desportiva sem fins lucrativos é remunerado, ele perde uma série de isenções fiscais que fazem falta”, disse.
Schmidt ficará no cargo até dezembro deste ano, quando novas eleições serão convocadas e um novo mandatário será eleito pelos sócios.
Confira:
Hoje completa um ano de sua posse. Qual a avaliação que o senhor faz de sua gestão?
Fernando Schmidt: Que ela cumpriu seu objetivo. É preciso entender, em primeiro lugar, qual é a natureza do meu mandato. Eu não fui eleito como todos os demais presidentes serão eleitos agora para um período de três anos com direito a reeleição por mais três anos. Eu fui eleito para um mandato tampão de um ano e quatro meses.
Por maior que fosse a expectativa do sócio, reprimida durante este período anterior, que antecedeu a intervenção, é humanamente impossível, em um ano e quatro meses, desenvolver um plano estratégico de ação capaz de resolver todos os problemas que o Esporte Clube Bahia apresentava naquele momento. Eu digo que considero a missão está sendo cumprida porque nós vamos entregar aos nossos sucessores um Bahia completamente diferente daquele que nós recebemos.
Que Bahia foi esse que nós recebemos? Um Bahia sem memória documental, sem dinheiro em caixa, sem patrimônio e sem sócio. Isso para não falar das irregularidades que foram encontradas pela atual diretoria e devidamente denunciadas ao Ministério Público Federal e Estadual para que eles apurem essas irregularidades e os responsáveis, se assim ficar comprovado, respondam inclusive com seus bens aos prejuízos causados.
Nós vamos entregar o clube com um saneamento financeiro possível em relação àquele que nós encontramos, uma regularização das nossas contas também dentro do possível em relação àquele passivo de mais de R$ 80 milhões que nós encontramos, com sócios e com patrimônio. Quando o Poder Judiciário afastou os antigos gestores e nomeou Carlos Rátis como interventor pelo período de 60 dias, você sabe quantos sócios o Bahia tinha? 400. Hoje o Bahia tem 24 mil. Tem 24 mil e continuará permitindo que o Bahia seja um case de democracia nesse futebol brasileiro tão carente de profundas modificações para que não se repita mais o vexame que se viu na Copa do Mundo deste ano.
O senhor acabou de exaltar o crescimento do número de sócios do Bahia. Não considera uma contradição a medida do conselho deliberativo de impedir novas associações até a eleição?
Não considero. Qualquer democracia do mundo, em qualquer, sobretudo as democracias que estão surgindo, se consolidando, se aperfeiçoando, legitimamente precisando lançar mão de instrumentos de defesa para a sua preservação. Tanto externamente quanto internamente. Nós temos as duas coisas dentro do Esporte Clube Bahia.
Nós temos a perseguição e o boicote externo comandado pela CBF, pela coragem que tivemos de denunciar os desmandos da CBF no futebol brasileiro e propor sua reformulação completamente em novas bases tendo o Bahia como exemplo. Nós temos que nos precaver com relação a isso. Ou você acha que as arbitragens do Esporte Clube Bahia não são escolhidas a dedo para prejudicar o Bahia?
Segundo, nós temos que internamente nos precaver daqueles que causaram tanto mal ao clube em gestões passadas para impedir qualquer risco de retrocesso. Isto não é medida antidemocrática. Ao contrário, é medida de preservação democrática.
Em relação à CBF, antes de se posicionar a favor do Bom Senso F.C. e contra a gestão da entidade, o senhor temeu qualquer tipo de reação? Procurou apoio de outros clubes?
Meu amigo, eu enfrentei a ditadura. Quem enfrenta a ditadura, é torturado pela ditadura e vence, não tem medo de nada. De cara feia de ninguém!
Mas recebeu algum tipo de ameaça, mesmo que velada, de algum dirigente da CBF?
Recebi….recebi. Ameaça no sentido de que se não baixasse meu tom, quem iria sofrer era o Bahia.
E é bom para o Bahia sozinho continuar essa luta? Precisa do apoio de outros clubes?
Mas se alguém não der o primeiro passo, outros não somarão para transformar essa luta num conjunto de players. Ou você acha que nós estamos simplesmente pregando no deserto? Por qual motivo a presidente Dilma recebeu presidentes de 12 clubes brasileiros para ouvir a opinião desses clubes a respeito do futuro do esporte brasileiro? Por que recebeu os membros do Bom Senso que estão com a mesma intenção? Por que recebeu a imprensa esportiva com a mesma intenção? Acho que isso são sementes que se plantam e que, só se você não tiver coragem de enfrentar aqueles que não querem nenhum tipo de mudança.
Eu não tenho nada pessoalmente contra nenhum dirigente da CBF. Apenas acho que pela dinastia hereditária que eles comandam o futebol brasileiro e, pelas profundas reformas que o futebol brasileiro precisa ter, inclusive para combater essas dinastias, eles não são indicados para comandar essa mudança.
Três meses após sua posse, o senhor disse que o Bahia era um clube em refundação e quase falido. Um ano depois, essa situação ainda persiste?
Mudou muita coisa porque hoje nós temos orçamento, nós temos planejamento financeiro, execução orçamentaria controlada e temos o passivo diminuído. Então isso mudou. O Bahia passou a ter uma gestão documentada e transparente.
Antes para nós conseguirmos documentos, muitas vezes deixamos de cumprir os prazos do conselho fiscal e deliberativo, tivemos que recorrer ao Banco Central, a outros bancos, e a fornecedores para obter cópias de notas fiscais que aqui não foram prestados e aparecem aqui como serviços prestados. Para onde foi esse dinheiro, quem pagou esse dinheiro cabe ao Ministério Público apurar.
Na gestão anterior era comum o atraso de salários. Pagamento em dia era novidade. Como está a situação hoje?
Não posso dizer que estamos rigorosamente em dia, mas posso dizer que estamos muito mais em dia do que estávamos desde o início da intervenção com Carlos Rátis. Isso porque conseguimos antecipação de cotas junto à Rede Globo para poder no exercício dispor de receitas adicionais e conseguimos também através de todo trabalho na área de marketing e negócios aumentar a arrecadação e a adimplência e sobretudo o número de patrocínios e parcerias que hoje nós temos.
O Bahia passou a ter credibilidade. Porque ninguém negocia com ninguém sem credibilidade. A não ser que seja negócio de sócios. Fora disso não negociava. Hoje nós temos credibilidade. E se não atingimos o ponto desejado, e ainda estamos longe. Essa gestão que é uma gestão de curto prazo, fez dentro desse curto prazo muito mais do que se pode imaginar. Que não se venha cobrar dessa gestão coisas de médio longo prazo que certamente serão implantadas pelos futuros presidentes.
Estamos deixando as bases para que essas medidas de médio longo prazo que vão fazer com que o Bahia reviva sua glória, sobretudo dentro de campo que é quem comanda esse espetáculo.
A sua gestão de negócios prometeu um patrocinador master à altura do clube. No entanto, o clube hoje não tem patrocinador master e ainda não conseguiu as certidões negativas para assinar com a Caixa. O que aconteceu de errado na condução desse processo?
Tivemos duas dificuldades: primeiro, quando procuramos a Caixa Econômica, que é um órgão público, nós tivemos dificuldades de obter as certidões negativas. Estamos ainda nesse processo não da certidão negativa, mas da positiva com efeitos negativos. Para tentar ainda esse ano o patrocino da Caixa como patrocínio master do Esporte Clube Bahia.
Em relação a outras empresas, o que houve foi retração do mercado em relação ao chamado efeito negativo pós Copa, muitas empresas resolveram dar um tempo para só voltar a pensar em patrocínio master em 2015. Ainda assim conseguimos responder uma “pendenga” com a Nike. Será entregue totalmente resolvida. E ainda tentamos provavelmente esse ano fechar um patrocínio que vai trazer mais receita para o Bahia
Quando o senhor tomou posse prometeu que o Bahia brigaria pelas cabeças. O que aconteceu de errado?
Eu pessoalmente, acho o futebol de hoje do Esporte Clube Bahia bem melhor do que o que nós encontramos quando aqui chegamos. Claro que os resultados não são o que nós desejamos, nem o que a torcida deseja. Nós ainda não conseguimos atingir essa meta de sair do rebaixamento e olhar para cima para galgar outras posições. Não só nós, vários outros clube estão enfrentando isso.
Não é à toa que clubes brasileiros estão vivendo crises de dívidas. Não é à toa que o Proforte (projeto de lei que fala sobre a dívida dos clubes) precisa ser votado. Na reunião com a presidente Dilma, nós assistimos ao presidente do Botafogo chorar, dizendo que ia entregar a chave do clube tão grave era a situação que ele tinha de resolver. Além da situação de jogadores que ameaçaram fazer greve, que é um legítimo direito dos trabalhadores, na medida que não eram remunerados no prazo estabelecido.
O que queremos é implantar no departamento de futebol uma nova filosofia, que é fazer do planejamento uma palavra de ordem que seja fundamental para os resultados obtidos em campo, que são fundamentais para o clube. Todos resultados obtidos em campo levantam os demais departamentos. Todos os setores do clube são beneficiados com isso.
Estamos ainda colhendo resultados desse planejamento e corrigindo eventuais erros para que possamos ainda nesse Campeonato Brasileiro voltar a ter um time competitivo e capaz de estar olhando para cima e brigando por posições melhores.
Em relação ao planejamento, foram quase 30 jogadores contratados e dois treinadores, sem contar Cristóvão Borges, que estava aqui quando o senhor assumiu. Não é um número alto?
Eu acho alto. Agora o que a gente não pode é examinar esses números apenas estatisticamente. A gente tem que ver por que aconteceu isso. Quantos estão no departamento médico, quantos estão impossibilitados de estar jogando. Tudo isso influi. Muitas vezes você é obrigado a contratar mais quando tem dificuldades maiores em preencher todos espaços do clube, que é o que fizemos nesse time.
Procuramos modificar novos contratos no sentido de colocar cláusulas de produtividade e desempenho, além de aproveitar enormemente o que vinha sendo relegado, que são as divisões de base. Apesar da venda de Talisca, que foi um episódio dessa meta, o número de jogadores da base jogando na equipe profissional, nunca teve tantos.
O título estadual teve um significado especial para o senhor?
Teve. Muito especial. Eu acho que ele representou o coroamento fora de campo de que democracia, transparência e profissionalismo também ganham jogo. Claro que a democracia é muito mais difícil, mas não existe melhor sistema do que esse. É preciso conviver com a divergência. É salutar. Ela deixa de ser salutar quando ela engessa o clube e deixa de tomar decisões, mas eu aprendi com o presidente Lula uma coisa que nunca esqueci quando trabalhei com ele em Brasília no primeiro mandato. Várias questões polêmicas, você deve imaginar, surgiram no mandato dele e nem sempre os ministros tinham posições convergentes.
Ele reunia, todas as pessoas, ouvia as opiniões de um e de outro livremente. As ideias eram apresentadas sempre na busca de uma convergência e um consenso. Quando não se conseguia, ele chegava e dizia: Olha ouvi cada posição, mas como vocês não chegaram a um acordo, obrigado, mas decido eu. É o que eu faço no Esporte Clube Bahia
Você fez uma comparação com os ministros. Podemos trazer isso para o clube. Algumas pessoas ligadas ao Bahia se afastaram durante sua gestão, como Sidônio Palmeira e Valton Pessoa. O senhor tem participação nesses afastamentos?
São dois casos completamente distintos. Tomei conhecimento que o Sidônio iria partir para um projeto político, que consequentemente era incompatível com o estatuto do Esporte Clube Bahia. Ele, que muito nos ajudou como assessor do presidente. O Valton, por motivos de natureza particular, pediu licença. Ele não renunciou. Ele pediu licença das funções dele por um período indeterminado e a diretoria por unanimidade concedeu.
Embora licenciado, ele continua a exercer várias tarefas que eu mesmo delego que sejam por ele desempenhadas. Não há problema nesse sentido. O que não podemos permitir é que as divergências naturais da vida de um clube engessem o Bahia.
Há muitas divergências nesse sentido?
A antecipação do processo sucessório é uma divergência. E eu farei tudo para combater essa precipitação do processo eleitoral no Esporte Clube Bahia. Ainda temos uma agenda mínima de questões para resolver antes de terminar esse mandato. Em cima dessa agenda mínima é que vamos trabalhar. O primeiro ponto dessa agenda é permanecer na elite do futebol brasileiro.
Essa antecipação do processo eleitoral seria referente a pessoas do clube que já estão pensando em se candidatar ou apoiar algum candidato nas próximas eleições do clube?
Nunca ninguém me disse. Mas é evidente que ouvimos comentários aqui e ali a respeito disso. Eu não concordarei com isso. Vou exercer meu mandato até o último dia e não tenho candidato nenhum.
O Bahia ainda pretende usar a Cidade Tricolor?
Isso faz parte do patrimônio do clube. Depende dos entendimentos que estamos tendo com a OAS, assim como o Fazendão. Os entendimentos seguem de forma positiva. É um dos trabalhos que o Valton está nos ajudando. Depende também da prefeitura de Salvador. É com o dinheiro da desapropriação da sede de praia, que será pago em transcons, que nós pretendemos equacionar todas essas tratativas patrimoniais que temos com a OAS.
Quando cheguei, tínhamos um prazo para deixar o Fazendão até o fim de 2013. Porque irregularmente a escritura do Fazendão, a propriedade do Fazendão, já tinha sido passada para a OAS. Eles reconheceram que isso não tinha sido feito na melhor forma de direito e abriram nova negociação conosco visando não só a regularização do Fazendão como também encontrar uma saída para a Cidade Tricolor, onde ficarão as divisões de base, onde ficará instalado um centro de excelência, de alto desempenho, como outros grandes clubes têm, como São Paulo, Cruzeiro. E o mais importante, de forma autossustentável.
Não queremos transformar a Cidade Tricolor em um cabide de empregos, como era a prática nas gestões anteriores. Será autossustentável através de programas que existem no Governo Federal, como o ProEsporte, a lei de incentivo ao esporte, e várias outras entidades privadas ou públicas que têm interesse, como as prefeituras de Camaçari e Dias DÁvila em ter um espaço onde se pode praticar o futebol de alta qualidade mediante o pagamento de custos.
A ideia é a de ficar com o Fazendão e a Cidade Tricolor?
Exatamente. Do zero, vamos passar a ter dois.
Tem algo na sua gestão que o senhor gostaria de ter produzido para o Bahia e não conseguiu?
Queria ter introduzido no Bahia o profissionalismo completo e não consegui. O jornal de hoje, o A Tarde, por exemplo, diz assim, profissionalização de gestão e controle efetivo de custos. Entre as coisas que diz, é que todos estão profissionalizados, inclusive o presidente. Não é verdade. O presidente nunca recebeu um centavo do Esporte Clube Bahia, embora dedique ao Esporte Clube Bahia todo o seu tempo disponível, está pelo estatuto proibido de exercer qualquer função pública ou privada.
Embora o conselho tenha aprovado uma remuneração para mim e os demais diretores sejam remunerados, eu não sou. Eu não sou por que entendo que a estrutura do futebol brasileiro ainda não permite que isso aconteça. A partir do momento em que o dirigente de uma entidade desportiva sem fins lucrativos é remunerado, ele perde uma série de isenções fiscais que fazem falta. Para evitar isso, renunciei ao direito que legitimamente tinha. Passei a exercer trabalho análogo ao escravo.
Como o senhor conseguiu se manter sem receber remuneração do Bahia, tendo dedicação exclusiva no clube?
Vendi meu patrimônio. Peguei a herança de meu pai e coloquei aqui dentro. Como o supermercado não aceita conceito, nem ideia, nem filosofia, fiz isso.
Por qual motivo o senhor não conseguiu profissionalizar todo o Bahia?
O principal motivo foi este. A necessidade de modificar a legislação no sentido de permitir a remuneração, a profissionalização dos dirigentes. Gestão é uma coisa profissional. Não é intuição. Precisa ser reconhecida como tal. Por isso a presidência precisa ser remunerada, sem deixar de ser torcedor. O dirigente não pode ser torcedor, mas o dia em que ele não for torcedor, deve ficar em casa.
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