Cogitei de ir para o Recife assistir ao jogo do Bahia contra o Sport, no dia 18/05, já que seria uma oportunidade de encontrar um grande amigo que está morando lá, além de rever outros amigos pernambucanos, de longa data e de outros carnavais.
Todavia, fui logo advertido: não vá, pois todo jogo morre uma pessoa no Recife.
Rebati a informação, dizendo acreditar que se tratava de brigas longe do estádio, previamente agendadas por torcedores organizados, além de que já fui a outros jogos, tanto no Arruda, nos Aflitos e, inclusive, na Ilha do Retiro, e nunca tive qualquer problema.
Eis que, poucos dias após essa conversa, a imprensa divulga que um torcedor morreu, ao sair do Estádio do Arruda, atingido por uma privada.
Sim, leitor, uma privada caiu (ou melhor, foi arremessada, pois privadas ainda não têm problemas psicológicos, que as levam a se suicidar do anel superior de um estádio de futebol) de mais de vinte metros, na cabeça de uma pessoa que acabara de sair de um jogo de futebol.
Não me interessa se a vítima torcia pelo Sport e que o jogo era entre o Santa Cruz e o Paraná Clube, ou que ele tivesse qualquer passado de violência. O que importa é que ele morreu, sem qualquer possibilidade de defesa, de uma forma tosca, ao sair de um estádio de futebol, no país que sediará a Copa do Mundo em cerca de trinta dias, e em uma de suas cidades sedes.
Em 1999, fui ao Estádio do Arruda para o jogo do Bahia com o Santa Cruz, com outros amigos baianos, e vários, pernambucanos todos torcedores do Sport. Eles somente foram ao jogo para nos acompanhar, pela amizade que tínhamos e que temos até hoje: não fazem parte de torcida organizada, não brigam por futebol, não jogam privadas em ninguém. Mas, eram torcedores de um time não envolvido naquele jogo. Será que isso legitimaria que morressem daquela forma?
Mesmo antes da trágica morte daquele torcedor, eu já havia desistido de ir ao jogo, por diversos fatores.
Pois bem, uma pessoa morreu de forma grotesca, ninguém foi preso ou identificado e qual a solução? No jogo do dia 18/05, na Ilha do Retiro, entre Sport e Bahia, os torcedores visitantes que quiserem entrar no estádio terão que provar que têm ligação efetiva e documental com o Bahia (vide notícia Pernambucanos proíbem acesso para torcida do Bahia).
Como que se prova ligação documental com um time de futebol? Na minha certidão de nascimento não consta nada. Ah, então a culpa é de meu pai! Como ele não previu o óbvio? Não eu ser Bahia, mas precisar provar documentalmente isso.
Ligação efetiva. O que é isso? Tem que ser empregado do clube? Dirigente? Jogador? Ou será que basta saber cantar o hino, se emocionar ao rever o gol de Raudinei em 1994, ou conhecer a escalação do time campeão brasileiro de 1988? Além da revista policial, irão entrevistar os torcedores?
Fico imaginando a conversa: – Sr. Torcedor, por obséquio, poderia me dizer os resultados do Bahia, nas cinco últimas rodadas do Campeonato Brasileiro de 1976? Ahn, não sabe? Então não tem ligação efetiva. Tchau, não entra.
Ou, então: – Sr. Torcedor, poderia me dizer, gentilmente, a escalação do primeiro jogo da história do Bahia? Não se recorda? Então sai daqui vagabundo, arruaceiro, marginal.
No país da Copa do Mundo, pune-se o cidadão em detrimento da incapacidade do Estado de cumprir uma de suas obrigações primárias, que é a, de garantir segurança a todos.
Deveriam proibir pedestres nas ruas também, afinal, assim não teríamos atropelamentos.
Melhor, vamos proibir privadas nos estádio, pois assim elas não pulam na cabeça de ninguém. Ou, quem sabe, fechar todos os banheiros: para quê banheiro? Pelo jeito torcedor é animal, então não precisa deles.
Enfim, foi-se a oportunidade de reencontrar bons amigos pernambucanos, torcedores do rival do Bahia no jogo do próximo dia 18, que com certeza nos receberiam bem como sempre -, torceriam pelo seu time e, ao final da partida, nos encontraríamos para mais uma conversa.
Essa coluna é em homenagem a eles, verdadeiros torcedores, e não aos estúpidos que jogam privadas covardemente do alto de uma arquibancada de futebol e nem aos burocratas que preferem empurrar a poeira para debaixo do sofá, para esconder a sua total incompetência.
Ps.: após terminar o texto, fiquei pensando com meus botões: então, meu filho, de onze meses, não poderia ir ao jogo, afinal nasceu em Campinas (SP) logo, não tem ligação efetiva com o Bahia -, ainda não fala assim, não poderia cantar o hino -, não é sócio e também não consta na Certidão de Nascimento dele que nascera Bahia pois, isso sim, é óbvio e o óbvio não se prova.
Ps2: Vou fazer um requerimento à direção do Bahia, para que certifique documentalmente que tenho ligação efetiva com o clube, pois vai que moda pega…
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