Geralmente costumo colocar o título da crônica por último: analiso as idéias (se é que elas existem) contidas no texto e taco-lhe um título que me pareça representativo. Mas dessa vez as coisas se inverteram por completo: o título veio logo na tampa! E foi puxando o resto.
Estou escrevendo neste domingo de Páscoa ao meio-dia, antes do jogo do Bahia contra o Colo-Colo, tomando uma cerveja e ouvindo Fantasia Impromptu (improviso), de Chopin. Espero que os enebriamentos tanto da cerveja quanto da música não interfiram na minha claudicante coerência e clareza. A cerveja parece ser confiável, de boa procedência, e a música de Chopin é mais inspiradora que o arrocha A Nigrinha da Barroquinha, que me enviaram outro dia por e-mail.
Mas voltemos à questão do título. Na página de abertura do site ecbahia.com.br há duas matérias que tratam do assunto título, em diferentes acepções (acepção é a palavra metida a besta para sentido ou significação): uma delas mostra o torcedor delirante, Binha de São Caetano (que costuma estar sempre rumo a Tóquio), em total desespero coisa pouco peculiar na sua ideação , reclamando e clamando para ser campeão, ou seja, ganhar um título qualquer; a outra matéria, assinada por Nélson Barros Neto, fala sobre as dificuldades em se tornar sócio do Bahia, o que significa dizer, da impossibilidade de adquirir um título.
Minha mulher acaba de me interromper exigindo a minha presença à mesa para o almoço pascal, sob pena de eu perder o título de marido. Vou ali comer o pobre do peru que jaz assado sobre a mesa, que não sou besta, e já volto.
Voltei. O peru reagiu pacificamente ao seu destrinchamento e nem emitiu um só glu-glu (ainda bem!). Tinha também uma inusitada torta de carne de fumeiro, que nossa amiga tricolor Míriam trouxe gentilmente, e sobre esse prato não emitirei pareceres gastronômicos, para não lhes deixar sadicamente com água na boca. Vamos, então, retomar o fio da meada do negócio do título.
O título do Campeonato Baiano é assim tão importante? Confesso que não sou de rejeitar título nenhum: nem a título de experiência, nem título de eleitor, nem títulos da dívida pública, mas esse título do Baiano, sinceramente, não está nas minhas prioridades ou anseios mais prementes. Claro que vai ser bom ganhar, principalmente se for do vice. Mas se perdermos, e não for pro vice, eu não vou tomar cicuta. Eu preferiria mesmo é ter sido campeão da Terceirona, ano passado. Esse título teria muito mais importância (até para o ranking da CBF). Mas a Diretoria, Arturzinho e os jogadores pareceram se conformar com a mera classificação para a Segundona e deixaram escapar a chance de sermos campeões naquele jogo de compadres contra o Vila Nova. Depois entregamos o jogo pro CRAC, que estava com dois jogadores a menos… Até hoje não me recuperei desses dois fatos. Tudo isso mostrou a pequenez do horizonte que está sendo vislumbrado por quem tem dirigido o Bahia.
Essa mesma pequenez ou mesquinhez está sendo demonstrada nesse caso da inacessibilidade ao título de sócio. Confesso que não me surpreendo com a atitude da diretoria de dificultar a associação de novos torcedores, nem com os métodos paralisantes típicos de burocracia de repartição pública. Surpreendente seria se eles estivessem facilitando a adesão de sócios!
Qualquer ser com um QI medianamente superior ao de um ornitorrinco constata que o método mais eficaz de um grupo qualquer tomar o poder no Bahia é conseguir uma ou duas centenas de sócios. Depois da profunda reforma do estatuto, anteriormente prometida e recentemente aprovada, que mudou tudo para o avesso do avesso, ou seja, criou-se um novo estatuto que no es lo mismo, pero es igual, no qual a forma de eleger o presidente continuou nas mãos do Conselho Deliberativo, a força ainda se encontra com os poucos sócios que comparecem para eleger a chapa desse Conselho.
Mas esse sistema indireto de eleição não é de todo incontornável pela oposição, muito pelo contrário: não precisa nem de Diretas Já, porque, tomando por base as últimas eleições, quem contar com uns 200 sócios ganha fácil o poder para dirigir o clube. Se o nosso ornitorrinco superdotado já consegue ver isso, imaginem as raposas que estão de plantão eterno lá dentro. Por isso, a pessoa mais importante hoje dentro do Bahia é o Seu Mário o encarregado de fazer as fichas de associação, que já pode ser comparado ao antigo Procurador Geral da República do governo FHC, que foi cognominado Engavetador Geral da República, por conta do destino que ele dava aos processos contrários ao governo de então. A desculpa irrecorrível é a seguinte: a sua ficha vai ser avaliada pela Comissão de Admissão. Aguarde o nosso contato em breve.
Comenta-se que essa Comissão de Admissão é uma peça de ficção – está prevista e descrita, mas ninguém nunca viu! A inexistência dessa comissão, no entanto, não me impede de fazer um exercício de imaginação para descrever o que seria um expediente, uma hipotética reunião de seus membros:
Presidente da Comissão: – Olha aí pessoal, tem um monte de ficha pra avaliar. Vamos dar celeridade ao processo, porque tenho um compromisso inadiável em cinco minutos – um xinxim de bofe dançante!
Membro da Comissão: – Ô véi, veja essa ficha aqui. Esse cara não tem a mínima condições! Olha só o cabelo dele!
Presidente da Comissão: – O que é que tem o cabelo?
Membro da Comissão: – O que é que tem? Veja a cor: é preta!
Presidente da Comissão: – Sim, e daí?
Membro da Comissão: – E olha a língua dele!
Presidente da Comissão: – Que é que tem a língua do cara, rapaz?
Membro da Comissão: – É vermelha!
Presidente da Comissão: – Não estou entendendo onde você quer chegar. Qual a justificativa para barrar a adesão desse candidato a sócio do Bahia?
Membro da Comissão: – Num tá vendo não, minha corrente? O cara é rubro-negro? Manda ele ir comprar título lá no Vitora! Aqui só entra é tricolor!
Presidente da Comissão: – E se ele for Flamengo ou Milan?
Membro da Comissão: – Se não for Vitora, então tá na cara que é pau-mandado da oposição! Num serve. Passa a próxima ficha aí!
Só estou fazendo pilhéria para mostrar o ridículo da situação, para mostrar que os atuais dignitários do Bahia, com essas atitudes anacrônicas, essas armações, acham que tudo isso vai passar despercebido (e parece que vai mesmo). Taí, então, o título que eles estão nos fazendo ganhar faz tempo: otários!
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