Durante a minha vida escolar no primeiro e segundo graus, sempre fui um aluno de nível 7 ou 8 numa escala de 1 a 10. Tinha meus pontos fortes e meus pontos fracos como qualquer outro estudante. Não era um “loser” nem um superdotado: uma criança comum com relativa facilidade em aprender certos conteúdos – um “menino com um enorme potencial, mas que não aproveita como deveria”, dizia a minha mãe.
Em algumas disciplinas, passava com antecedência em matérias mais ligadas às ciências humanas e da saúde; porém, em relação às ciências exatas, o terror se instalava em minha vida. Nunca cheguei a fazer recuperação, segunda época ou coisa do tipo, mas passar de ano me custava dias e horas ininterruptas de estudo e algumas noites mal-dormidas.
Certa vez, na quinta série do antigo primeiro grau, estava muito mal na disciplina de matemática. A minha mãe, exigente e rigorosa com a educação dos filhos (era professora e “tinha que dar o exemplo em casa”), me cobrava o tempo todo e “chegava junto”. Chegava até a ser injusta às vezes… ameaçava me tirar da escola particular na qual estudava e me colocar numa pública, ameaçava me colocar num colégio interno, fazia o diabo… Enfim, na metade do ano, atormentado e completamente em pânico, decidi que precisava passar nesta disciplina de qualquer jeito e recuperar os pontos perdidos. Se caísse em recuperação, mesmo passando de ano, sabia que a escola pública era fatalmente o meu destino.
Nunca estudei tanto na minha vida: foram dias, semanas sem me divertir como qualquer outra criança. Era chegando em casa, tomando um banho, comendo alguma coisa e abrindo o livro. No final do ano, a prova decisiva. Eis que o professor de matemática, um notório torcedor do vice que vivia sacaneando com o Bahia em sala de aula naquele 1989 do rival campeão baiano e do torneio da morte, olha para mim em especial e me diz: “boa sorte”, sabendo do meu esforço em concluir bem aquele ano.
Até a correção da prova e a entrega do resultado, foi uma semana de extrema ansiedade. As aulas tinham terminado e tive que buscar a última prova na secretaria antes de decidir se faria ou não a recuperação. Na hora de receber a prova das mãos do professor, que estava presente, a surpresa: eu tinha obtido bem mais do que o necessário para ser aprovado. O professor, me dando um abraço, me deu os parabéns pelo esforço e disse algo como: “Espero que no ano que vem você seja mais responsável. Você só passou por isso porque quis e você sabe bem disso”.
Não sei porque tudo isso aconteceu porque “eu quis”, afinal cada um tem suas limitações e dificuldades que podem ser superadas de forma que cada um consiga fazê-lo sem violentar a si mesmo ou sem tentar ser o que não é (e tudo tem a “sua hora”). O certo é que durante o ano todo eu agi de um modo até a metade do ano e de modo totalmente diferente na outra metade, sendo a mesma pessoa em dois momentos totalmente distintos. A mudança teve seu combustível, é claro, que é o medo de perder a educação de qualidade dada pelos meus pais, mas eu mesmo fui o agente da minha derrocada momentânea, bem como eu mesmo fui o agente única e diretamente responsável pelo meu sucesso.
Chegando em casa, abro a porta e corro para os braços da minha mãe, dizendo: “MÃE, PASSEI DE ANO! PASSEI DE ANO!”. Ela olhou bem para a prova, olhou firmemente para mim e disse com um misto de carinho e firmeza: “Muito bem, você não fez nada mais do que a sua obrigação”.
Aquilo me deixou chocado! Como um esforço tão grande fora merecedor de tanta “indiferença”?! A minha querida mãe, sábia como era, adivinhou o desapontamento expresso em meu olhar e disse: “Meu filho, isso é apenas mais um passo que você está dando à frente em sua vida. Deve comemorar, mas não se limitar a fazer apenas isso. Continue sempre em frente, pois quando você estiver formado você vai se lembrar do que eu te disse aqui e agora”.
Passados alguns minutos, ao passar pela porta da cozinha de casa, eu olhava escondido a minha mãe lavando a louça e chorando baixinho, balbuciando: “Obrigado, Senhor! Muito Obrigado!!!”.
Ao terminar o jogo do Bahia ontem, dia das mães, chorava como criança não apenas pelo fim do inacreditável jejum de onze anos sem conquistar este incrível (não no sentido amazing e sim no sentido incredible) campeonato baiano de futebol; não apenas pelo Bahia ter colocado o rebaixado rival no seu devido lugar de longa data… chorei também por ter me lembrado, em pleno dia das mães, dessa passagem tão interessante ocorrida aos meus coincidentes onze anos de idade: uma das maiores lições de toda a minha vida.
Nada mais a comentar sobre esta partida. Não vencemos no último jogo, como esperávamos; porém venceu o melhor time do campeonato.
Agradeço à instituição Esporte Clube Bahia, incluindo seus dirigentes, treinador e atletas, pelo esforço em me proporcionar um pouco do orgulho de ser tricolor e de ser baiano, sendo que tal orgulho nos foi intensamente vilipendiado durante anos a fio.
Neste momento, não importa quem colocou o Bahia nesta ou naquela situação. Pelo menos aos poucos estão tirando… e vamos comemorar pelo menos o dia de hoje, sabendo do que nos espera no futuro. O Campeonato Brasileiro vem aí e precisamos contratar e ajustar o elenco para tentarmos alçar voos mais altos. Caso contrário, dar-se-á apenas um passo à frente seguido de outro passo em falso.
Sendo assim, eu cito Mateus – não o colunista do site ecbahia.com, mas o colunista bíblico – para lembrar que “bem-aventurados os vossos olhos, porque vêem, e os vossos ouvidos, porque ouvem” (Mt 1:16)
Saudações tricolores e BBMP!
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