Em muitas situações de nossas vidas, quando estamos de cabeça quente o melhor a fazer é esperar o momento de ira passar e tentar agir com a razão. Devemos tentar no dia-a-dia ser neutros o máximo possível com determinadas circunstâncias ou pessoas, analisando os prós e os contras do que ocorreu de ruim, e tentar no final das contas tomar uma decisão, fazendo antes a média ponderada do bom e do ruim e lhe atribuindo um peso X para determinado aspecto e um peso Y para outro aspecto. Resumindo: devemos escolher dentre uma ou mais opções, o que julgamos como o melhor ou mais conveniente a nós. Em suma do resumindo: devemos escolher um dos lados e seguir adiante.
Pois bem. Vamos em frente.
Temos o hábito, na sociedade brasileira, de estabelecer dois começos de ano: o de fato e o de direito. Todos sabem que o de direito tem início no dia primeiro de janeiro, dia o qual pela sua singularidade gregoriana foi justamente escolhido como o dia de celebração da paz entre os povos. Contudo, o começo do ano de fato é, certamente, depois do semi-feriado católico conhecido como a quarta-feira de cinzas.
Justamente neste clima do “de fato” e do “de direito” que o time do Bahia possivelmente não jogou o futebol esperado pela sua imensa e angustiada torcida. A julgar pelas atuações das últimas partidas do ECB no Nordestão-2013, parecia que havia uma equipe jogando em clima de motor a álcool de Chevette nos anos 80 em pleno inverno, tendo as suas velas de ignição, os atletas, algumas poucas fagulhas ou lampejos de bom futebol. Uma equipe da xêpa futebolística jogando um começo de feira mais do que insosso e sem muita força para vencer titânicos adversários como o sergipano Itabaiana ou o natalense ABC; perdendo deste, inclusive, por sonoro placar.
Enquanto os parlamentares esticam seus recessos e ajeitam seus gabinetes para mais um ano; enquanto a máquina pública começa a se ajeitar para executar suas atividades orçamentárias do exercício etc., de repente os jogadores do Bahia não estavam no auge da sua forma física e técnica; ou não se conscientizaram de que o ano havia começado com um campeonato de nível mais elevado que o Baiano, e que assim como havia itabaianas, havia também sports e fortalezas nesta competição… ou mesmo estavam sem cabeça para exibir um futebol de qualidade, porquanto pensavam em outras coisas… ou até mesmo no “começo do ano de fato”! De repente, não é nada disso – posso estar enganado, afinal, eu também posso me equivocar.
Claro, foi “um acidente de percurso”! Mas a equipe gerida por dinâmicos e futuristas executivos dará a volta por cima, afinal de contas, “o argentino vem aí” e “seus pobrema se acabaram-se” (by Seo Creysson).
E o que dizer do ilustríssimo fora-de-série Itabaiana, que certamente não tem um décimo da folha de pagamento do nosso tricolor, nem possui dirigentes que comem caviar para arrotar sarapatel? Idem ao brioso ABC da capital potiguar, salvas as devidas proporções de tradição e futebol?
Sigamos em frente, claro. Já passou, a inês é morta e não adianta chorar pelo leite derramado. Mais uma dessas lições dos nossos avós, bem aplicáveis ao nosso cotidiano. Contudo, na cabeça de um torcedor que viu uma equipe conquistar quarenta e quatro campeonatos estaduais, dois títulos nordestinos e dois brasileiros, a ira é inevitável; e diante desta ira, procuramos esticar o dedo indicador e apontar culpado ou culpados.
Mas, como eu disse, depois das fases de agitação, vamos esfriando o sangue e colocando a razão para funcionar.
Depois das festas momescas, já na tarde da quarta-feira nosso sangue esfria e as doces lembranças de muitas bocas beijadas e muita cerveja tomada ficam no nosso coração e na nossa razão fica a fatura do cartão, as contas a pagar, as aulas das crianças a começar e o que fizemos de ruim ou não adequado durante a festa começa a nos doer as cabeças, provocando imensa ressaca moral.
Depois da ira da torcida tricolor após mais um extraordinário recorde negativo do grupo político que gere o Tricolor de Aço há mais de quinze anos (interpoladamente), cabe a nós, torcedores, colocarmos a cabeça no lugar e tentar entender o que se passa de fato: conquistamos muitos títulos no passado, éramos temidos pelos maiores clubes brasileiros e praticamente imbatíveis em nossos domínios de mando. E agora?
Agora o atual grupo familiar que administra o Bahia coleciona dois rebaixamentos, um nono lugar no campeonato baiano de apenas dois Clubes com C maiúsculo, uma vaga comprada na Copa do Brasil, uma subida à Série A pela janela, e finalmente, uma vergonhosa eliminação num campeonato cujo grupo o qual coube ao Bahia era mais do que convidativo a uma folgada classificação.
Para não dizer que não falei de flores, vestimos a mesma marca da seleção brasileira e do atual campeão de clubes; teremos um CT de primeiro mundo, estamos há três anos na elite do Phutebol e somos uma potência nas categorias de base.
Mas o time profissional, corolário e finalidade de tudo isso citado no parágrafo acima, deixou de ser, há muito tempo, o que era.
O Bahia puxou a cordinha, desceu no ponto da mediocridade e ficou esperando um ônibus mais vazio que nunca chegou em tempo; e quando chegou, seus concorrentes já desceram no ponto final ou já baldearam para outros coletivos…
O futebol mudou, e nós não acompanhamos. Escolhemos um lado e pagamos por isso. Falo no plural, logicamente, referindo-me ao nosso clube.
O carnaval acabou-se e começa o ano de fato. Começará o ano para o Bahia depois de quarenta dias meditando, refletindo e jejuando no deserto sendo tentado pelo diabo do ostracismo; e enquanto isso a sua diretoria não escuta a voz dos anjos das novas tendências do ludopédio brasileiro.
Crescer não é apenas voltar a ser o papão estadual e um time imbatível em casa (nem isso somos mais). Crescer é ser ambicioso e saber dar os passos corretos para tal. E o que vemos atualmente, é mais uma vez a repetição da espiral solenóide de ir pra cima, ir pra baixo e nunca sair daquela faixa vibratória quando o clube poderia ter maiores picos e menores vales na sua história.
E enquanto permanecer esta mentalidade no Bahia, dificilmente algo mudará. Por enquanto o lado que os dirigentes julgaram o mais conveniente está mais do que escolhido. Há os que coadunam com ele. Há os que não o fazem.
Finalmente, enquanto boa parte da massa tricolor esfria a cabeça, surpreendo-me com uma certa “nota de ira”, provando que alguém na torcida ainda se encontra chateado com algo… como não sou “proprietário” deste site, apenas um orgulhoso colaborador, não entrarei no mérito da pertinência ou da justeza do que comentaram os seus editores. Contudo, eu, por “não residir em Salvador”, tenho a obrigação moral de dar a minha resposta dentro do que me cabe: primeiramente, moro em Brasília-DF há oito anos, sou servidor concursado e aqui lotado, mas mesmo assim há uma coisa que não sai de cada pessoa, ou da maioria delas, por mais que você passe sua vida inteira fora, que são os seus valores, sua cultura e suas raízes. Portanto, a autoridade que tenho para comentar neste site (para o qual fui convidado) é a mesma de qualquer torcedor que se interesse pelo seu clube e que tenha um mínimo de capacidade de escrita.
Em segundo lugar, sugiro deixar a ira (palavra empregada com grande viés intimidatório) de lado, usar a razão e um pouco de neutralidade no trato com as pessoas, reconhecer que este carnaval já teve seu fim, e entender que o maior “sem vergonha” dessa história toda não é o Fulano que enchia a cara na avenida e nem o “joelho de Pantico”, mas o empregador destes atletas de salários mensais maiores do que o valor da minha casa comprada com 3 anos de trabalho duro, os quais não pediram certamente para serem empregados. Ademais, está na hora de tomar uma posição mais concreta por um Bahia grande, a fim de que vexames como o recente possam acontecer o mínimo possível.
Falo do mínimo possível, porque o Palmeiras está aí que não me deixa mentir. E a História demonstra que os vexames no Bahia têm acontecido com muita frequência.
Cabe, inclusive, a todo torcedor que se interessa pelo Bahia não a luta pela simples substituição de nomes, e sim pela substituição de paradigmas.
E é responsabilidade de toda a massa tricolor e formadores de opinião deste Estado da Bahia, colocar a cabeça no lugar e decidir se o que importa é apenas ficar na primeira divisão e vencer o rival ou se o que importa é querer mais e mais: o que não dá mais é para ficar em cima do muro.
A associação em massa, além de uma iniciativa bem incipiente no processo de mudança como um todo, pode configurar-se em excelente instrumento de pressão no futuro. Afinal, até mesmo durante a ditadura militar, a atuação de grupos de oposição não derrubou o regime, mas pressionou tal regime a realizar a tal abertura “lenta, gradual e segura” cujo resultado todos nós conhecemos. Inclusive este resultado me dá o direito de escrever aqui o que eu quiser e de você, leitor, escolher o que quer ler.
Saudações Tricolores!
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