O saudosismo oitentista faria aqueles com mais de 35 anos a lembrar da alvorada voraz ou dos quarenta e três olhares de um mundo em constantes mudanças. Mas, parodiando um contemporâneo desta época, as ideias não correspondem aos fatos, pois o tempo não para.
De lá pra cá, a Copa das Confabulações terminou sendo um sucesso de público, e principalmente de crítica: muitas críticas. Assistiu-se, pelas ruas, vielas, avenidas, viadutos e afins do nosso Brasil varonil, uma revolta sem precedentes, acima de tudo contra a classe política como um todo. Movimentos dos mais diversos matizes, alguns bem intencionados e outros nem tanto, tomaram as ruas brasileiras, peitaram a mesma polícia de tantas repressões, prisões e execuções do passado e não tomaram conhecimento de suas balas soft de borracha nem de seus frascos de pimenta do reino em spray.
Como toda manifestação catártica em massa, não poderia deixar de haver efeitos colaterais: destruição de patrimônio público (inclusive cultural, histórico e artístico) e privado, mortes de jovens produtivos etc. Tanto choro e ranger de dentes levou a classe política a dar um recuo sem precedentes na História moderna brasileira. Em ano eleitoral e de Copa propriamente dita, ninguém se arriscaria a tomar medidas impopulares de modo a ser massacrado nas urnas no próximo sufrágio. “Nunca antes na História desse país” os agentes políticos foram tão acuados.
Dos apupos massivos à presidente da República, passando pelo sumiço silencial do ex-sapo barbudo sem folículos pilosos, dos gritos contra os adversários prefeito e governador de São Paulo, às vaias no desfile do Dois de Julho, a oposição federal arriscou-se a levantar, em plena arquibancada do jogo do poder, um cartaz de “eu já sabia” frente às câmeras globais, sem que houvesse muita plateia para tal.
Este site não é sobre política, mas a política a cada dia nos traz grandes lições de vida, aplicáveis inclusive no futebol. A Copa do Mundo, de fato, não foi um pedido do povo brasileiro à classe política, e sabemos também que nos sorteios fifianos nunca houve o acaso stricto sensu, em se tratando da escolha do país-sede. Muitos países, inclusive a conturbada África do Sul, sediaram Copas e tiveram uma grande ressaca econômica após a competição, afinal a Dona Fifa, assim como a SeleCBF, “só joga pra ganhar”.
O povo não pediu Copa, mas certamente pediu os políticos corruptos que chancelaram a vinda desta Copa. Aliás, me espanta a quantidade de lexotan que este gigante deve ter tomado em 2007, pois tiveram uns seis anos (ou menos de seis séculos?) para tomar as ruas e dizer que “queremos saúde e educação”; e agora que a competição é fato consumado, corre-se riscos gravíssimos de o país sofrer fuga de investidores e de divisas nesta pátria de economia tão lastreada na moeda alheia. Enfim, minha avó já dizia “antes tarde do que nunca”…
Numa perspectiva otimista, podemos entender que as placas tectônicas da vida política, econômica e social se movimentam de forma a proporcionar oportunidade de grandes mudanças em nossa História. Mas como o sistema sempre se reinventa (by Capitão Nascimento), a perspectiva é de que os donos do capital, entes obscuros que são de fato os donos de qualquer país, recriarão as regras que os perpetuam como os verdadeiros mestres deste sistema.
Banqueiros, grandes corporações etc nunca aparecem pra torcida, e os próprios políticos corruptos os quais tanto criticamos são também sua massa de manobra na eterna luta pelo capital alheio. Pelo menos, enquanto redução de danos, a reforma política no Brasil se faz necessária, como modo de permitir cada vez mais o controle e fiscalização do que é feito com o dinheiro dos nossos impostos. Creio que o lado bom das revoltas populares tenha sido este. A reforma não poderá mais ser adiada.
Outrossim, no Esporte Clube Bahia, sabemos que política, nobreza, capital e interesses diversos sempre deram a tônica deste clube, em praticamente toda a sua História; e assim como em todo clube de futebol. Engana-se quem pensa que o futebol é feito de abnegados dispostos a sacrificar a própria alma em prol do clube. No entanto, fazendo um pequeno e rápido paralelo entre o Bahia e o Brasil, a “lua-de-mel” da torcida com os dirigentes e as instituições do clube começa a dar sinais de cansaço.
Há alguns dias, tivemos grande movimentação de público-zero, de protestos, manifestações etc, quando a Mini-Copa chegou e foi o balde de água fria no calor das manifestações tricolores. Há um processo de intervenção por vir, tendo seu julgamento constantemente adiado, e ninguém sabe o que virá pela frente caso realmente o presidente tricolor seja afastado junto com seu pai e asseclas. Assim como o povo brasileiro, a gigante torcida tricolor elegeu as goleadas a favor do rival como a azeitona do processo, do mesmo modo que os brasileiros viam estádios suntuosos saindo do chão com grande financiamento estatal e pacientes dormindo no infecto chão dos hospitais.
Contudo, caso votem pela reforma política, com a corrupção sendo crime hediondo e tal, a classe política continuará a ser seduzida pelos interesses das grandes corporações, de formas diversas e variadas. O poder inebria, e de repente equiparar um agente político a um servidor público comum (salário fixo, mesmas regras, sem regalias) afasta o quê de nobreza desta atividade, que tanta gente atrai no afã de satisfazer a própria vaidade em detrimento dos interesses do país.
Da mesma forma, permitindo que a própria torcida escolha o presidente e conselheiros do Bahia, mesmo que haja interesses duvidosos por trás de grupos de torcedores, mesmo que surjam “partidos políticos” dentro do Bahia; isso poderá nos mostrar que um presidente de um clube deste porte deve não apenas ter dedicação plena a seus interesses, como também será justamente cobrado e fiscalizado no exercício das suas atribuições. Mesmo que venha a agir mal e se locupletar do patrimônio do clube, um presidente eleito democraticamente, caso descoberto, sofrerá os rigores da lei, sendo imediatamente afastado do clube.
Chega de nobres deputados. Chega de nobres presidentes de clube, nobres conselheiros e nobres diretores. Queremos servidores do povo brasileiro na Casa das Cuias; queremos servidores da torcida do Bahia dentro do clube; e não pessoas que põem em seu currículo “sou conselheiro” e desaparecem no momento em que vários atletas da base, potenciais geradores de riqueza ao clube, debandam para o rival sem mais nem menos e sem o menor esforço e resistência.
E no final, o mord… digo, o contador é o culpado, apud Sherlock Holmes.
Em tempo: Surpreendeu-me o Brasil nesta Mini-Copa, jogando como campeão contra uma Espanha num dia ruim. Excelente nível técnico das seleções, com exceção do Taiti. O técnico Scolari mostrou a competência que o antecessor não teve durante anos; e em poucos meses deu uma cara à equipe. Contudo, este time precisa ser reforçado, especialmente na defesa e meio-campo, com atletas mais seguros e experientes. O lado positivo de tudo isso que está acontecendo, é que em outros tempos, este triunfo acenderia a chama do ufanismo cego, mas as pressões populares continuam. O pão já não é tão doce; e os palhaços do circo já não divertem como antes.
Saudações Tricolores!
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