Vida, breve intervalo entre o nascimento e a morte. Para suportá-la, inventou o Homem a distração. Aí, vieram a arte e o esporte. Na Antiguidade, povos primitivos deixaram nas cavernas rabiscos que expressavam seus desejos, medos e encantos, a tradução simbólica da percepção do mundo em que viviam. Nas arenas, homens enfrentavam leões, para deleite de uma platéia ávida pelo sanguinolento espetáculo.
Da evolução da arte e do esporte até os nossos dias surgiu o FUTEBOL, bela sacada de alguém, segundo a História, um inglês, que fez desse jogo uma metáfora da vida, conferindo-lhe meta, o gol; batalha, o jogo; guerra, o campeonato. Estratégias e táticas para superar o adversário, tal qual nas batalhas e nas guerras, foram evoluindo; as preparações e os cuidados com os soldados, os atletas e com o comandante, o técnico, foram se sofisticando cada vez mais, na busca da excelência do movimento e da efetividade do resultado, um misto entre a beleza da arte e o alcance da eficácia do resultado que interessa: o triunfo.
Tal qual na vida, quando nós mesmos lhe acrescentamos dificuldades além das que independem da nossa ignorância e insensatez, excluíram-se do futebol as mãos, esse órgão por meio do qual se expressam as habilidades específicas do Homo sapiens, a traduzir em realidade quase tudo aquilo que concebemos e a nos distinguir dos demais animais.
A exclusão das mãos nesse esporte/arte propiciou um desenvolvimento mais completo e harmônico dos movimentos do corpo como um todo, posto que sem as mãos, exceto as do goleiro, há que se desenvolver a habilidade de dominar a pelota, protegê-la do adversário implacável, enganá-lo com o drible e passá-la a um companheiro em melhor condição de dar prosseguimento à jogada em busca do alvo, eis aqui, enfim, presente o ideal da cooperação!
Às vezes, tal qual na vida e na guerra, é necessário recuar, tanto a bola quanto o posicionamento do time, posto que há do outro lado um adversário tão ávido do sucesso quanto os nossos heróis pelos quais empunhamos nossos cânticos, nossos gritos de guerra e nossas bandeiras. Humanos, necessitamos também, em certos momentos, poupar energia, acumulando-a para o golpe fatal, para o contra-ataque veloz e incisivo a surpreender o inimigo.
Pois bem, feito esse preâmbulo, creio não haver dúvida acerca da importância do futebol, como uma das distrações preferidas do homem moderno no breve intervalo da sua existência. A partir dessa constatação, passo a analisar esse episódio recente que pode culminar no rebaixamento da Portuguesa de Desportos e na permanência do Fluminense na Série A do Campeonato Brasileiro de Futebol de 2014.
Tudo bem que o futebol seja só uma ilusão, que não enche barriga e não dá abrigo, mas quem disse que a ilusão não nos ajuda a viver, a suportar a dureza que seria a consciência não distraída da nossa finitude a nos atormentar como a Espada de Dâmocles sobre as nossas cabeças?
Uma das características dos momentos importantes e solenes é a pompa, o ritual, o registro por escrito do ato, livrando-o parcialmente da insubsistência e da precariedade da oralidade, em consonância com a importância que lhe atribuímos. Assim, o ato administrativo exige forma prescrita em lei, agente capaz e competente, causa lícita, motivo, motivação e publicidade.
Nesse contexto, como pode um ato importante no mundo jurídico, tal qual a sentença que pune um jogador de futebol, passar a viger imediatamente depois da sua proclamação, sem que tenha sido publicado?
A transmissão oral de um ato torna-o susceptível a equívocos, ao dito pelo não dito. Foi o que ocorreu nesse episódio que pode trazer mais uma nódoa ao futebol brasileiro, tão rico em talentos nos gramados e recheado de incompetência fora dele.
Ouvi num canal televisivo uma entrevista de um procurador do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, na qual ele dizia que a sentença referente a um julgamento de um atleta, resultante em punição, passa a valer de imediato após a sua proclamação, desde que a associação interessada tenha sido prévia e regularmente notificada da sessão do julgamento.
Portanto, a falha, vê-se, encontra-se na lei, lato sensu, que rege a matéria, uma vez que, em nome da segurança jurídica, somente deveria entrar em vigor a sentença, de modo a fazer surtir seus efeitos, a partir da sua publicação, a qual se poderia dar até mesmo por meio do site oficial desse tribunal ou da Confederação Brasileira de Futebol. Nunca, porém, por meio da transmissão oral. Assim, ter-se-ia evitado todo esse imbróglio em que, mais uma vez, meteram o futebol brasileiro, o qual pode fazer com que o resultado obtido no campo se altere no tapetão.
Cuidado, senhores cartolas! O futebol é apaixonante, mas o descuido e a falta de seriedade com ele podem levá-lo ao descrédito e à sua morte prematura, posto que, tal qual o bem maior que é a vida, tudo passa. Deixem que o futebol cumpra a sua jornada natural, não queiram precipitar o seu fim! A lei há para ser cumprida, mas quando se mostra inepta, há que ser mudada. É o caso desta!
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