De volta das mil e uma noites de fantasia da lua-de-mel, normalmente o casal, em meio aos móveis reluzindo de novos e àquele faqueiro de prata que jamais será usado, sai do pedaço do céu e fica como o diabo gosta: é quando surgem os primeiros problemas do matrimônio, notadamente os financeiros.
No caso do casamento do Bahia com a sua torcida, legitimado pelo Padre Rátis e abençoado pelo Papa Ximit, hora de arregaçar as mangas e ver o que pode ser feito em meio à terra arrasada na qual tornou-se o clube depois do furacão da garbosidade ter literalmente sacudido as estruturas do EC Bahia. Eis que de início surgem os problemas [gravíssimos] financeiros apontados pela auditoria contratada mediante ordem do Juízo que interveio no clube há pouco.
Dívidas apontadas no montante de oitenta milhões de dilmas, associadas a tenebrosos indícios de prodigalidade graciosa e até de supostos desvios de montantes para destinos mais do que obscuros dão aquela sensação-certeza ao torcedor de que o clube vinha sendo literalmente pilhado por corsários de dentro de suas próprias entranhas; o que sempre foi negado pelos dirigentes depostos e por seus assessores, defensores e assemelhados, mediante aquele argumento mais furado e frágil do que escumadeira de plástico de que tudo seria um golpe orquestrado por um certo partido político – como se os dados levantados tivessem sido simplesmente inventados por membros do tal partido.
Destarte, diante dos indícios, aguarde-se o indiciamento formal daqueles que não só podem ter roubado o patrimônio da agremiação, mas comprovadamente roubaram sonhos, esperanças e alguns potenciais torcedores que hoje comungam com o Exu-Caveira da Via Regional em seu altar satânico feito de matéria orgânica em decomposição.
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A sensação de que a nova diretoria vai resolver os problemas do Bahia como num passe de mágica e levar o clube à Libertadores tempestivamente não se sustenta. A maior prova de sua competência será exatamente conseguir criar as condições para a solução destes problemas, e o que fizer de mais além será, sim, um feito quase miraculoso.
Vontade de trabalhar existe por parte do novo Conselho Deliberativo, enxuto e atuante haja vista as reuniões já executadas. A presidência executiva já demonstra que encontrará sérias dificuldades pela frente e já começa a bater de frente com os interesses da torcida, representada pelos conselheiros: um destes interesses contrariados está justamente na questão da retirada gradativa dos ingressos às torcidas organizadas, o que deverá ser definitiva. A outra dificuldade está na nomeação de um político profissional para assumir a coordenação das categorias de base do clube. Ok, talvez o mérito deste cidadão seja exatamente o de possuir perfil de gestor/coordenador, e isso é muito importante, mas não seria melhor uma pessoa com perfil de divisão de base, tipo alguém ligado ao futebol sub-alguma coisa de longa data? Dificuldades a superar por parte da nova direção. Festa da Democracia para todos que se interessam pela vida política do Bahia.
Quanto às organizadas, não sou daqueles que acham que “todos são bandidos e por isso elas devem ser extintas”. Na verdade, a Bahia tem sido vanguardista em relação a São Paulo e Rio de Janeiro ao combater os desvios de algumas torcidas no seu nascedouro, através de atores como o Ministério Público e Polícia Militar; e as próprias uniformizadas tem colaborado bastante com as autoridades. Acredito que um dos maiores danos causados à imagem das organizadas ocorreu a partir da cópia de modelos do Sudeste, como a criação dos “distritos”, “famílias”, “canis” ou outras denominações grupais, tão marcantes quanto xixi de cachorro nos postes do quarteirão. No bojo de alguns destes “distritos”, criaram-se núcleos de jovens que comungaram a criminalidade comum com alguns valores adotados pela sociedade no que diz respeito ao pertencimento a um grupo ou filosofia de vida. A turminha da “rua de cima” que brigava com a turma da “rua de baixo” no mesmo bairro vestiu umas camisas coloridas para se diferenciar e saiu por aí batendo no pessoal da outra rua… Atualmente, grita-se mais o nome da organizada do que do clube e a dependência destes grupos ao poder econômico é um fato.
Feitas no dia-a-dia por jovens que certamente amam seu clube, a organizada, para poder dar o seu espetáculo de cores e cânticos, precisa de dinheiro. E esta premissa sustentou o financiamento dos clubes a estas entidades durante anos a fio, seja por apoio pecuniário direto, seja por meio de ingressos e passagens aos seus integrantes. No entanto, assim como o futebol tem mudado, os estádios tem se modernizado e o torcedor tem ficado cada vez mais peiperviuzado inclusive por medo da violência, tá na hora também de se repensar o papel destas organizadas, inclusive deixando-as seguir seus próprios caminhos com independência, tornando-se vozes ativas da massa e não apêndices deste clube. Financiamento também se consegue através de patrocínios e em São Paulo as organizadas viraram até escolas de samba.
Eu acredito que uma das causas menores da sustentação de dirigentes depostos e comprovadamente incompetentes no Bahia durante tanto tempo se deveu à condescendência de algumas organizadas com alguns desmandos no clube, e também pela falta de massa crítica em grande parte dos seus membros para buscar soluções para os problemas internos do Bahia. Não, não estou sugerindo que todo torcedor uniformizado precisa ser engajado politicamente, mas em vez da imposição pela violência (mais uma vez copiando o que há de pior no Sudeste) poderiam ter representantes dentro do Conselho que usassem a inteligência para debater o bem maior de todos os tricolores no dia-a-dia.
De qualquer forma, sou totalmente a favor da existência das organizadas, porém independentes e reinventadas, passando de símbolos de intimidação e violência a símbolos de alegria e paz.
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Encerro estes rápidos comentários afirmando que, mesmo a não muitos pontos longe da zona de descenso, nunca estive tão sereno com o EC Bahia em relação ao seu futuro, pois sei que agora o clube está em mãos de pessoas verdadeiramente preocupadas com este futuro. O time tem grandes limitações, e creio que a permanência de atletas como Fahel, Diones, Hélder, Titi e Marcelo Lomba pode ser revista num futuro próximo. Na verdade, a qualidade que esta equipe precisa pode estar em jogadores incontratáveis no momento, e num clube nordestino no SPC da bola, investir na base é o mais racional a se fazer num médio prazo. A instabilidade da equipe ao longo das rodadas é algo previsível em se tratando de uma equipe que convalesce de longa doença degenerativa com o apoio – único e exclusivo – de seu torcedor. Previsível também em se tratando de equipe por demais sensível aos desfalques por conta do que tem no seu inchadíssimo elenco.
Mantendo a base, o nosso pé-de-Feijão, sadia e bem coordenada, vai ter muito gigante sucumbindo ao Bahia no futuro, e eis mais um dos motivos para pedir ao Sr. Schmidt que repense o que pretende convocando um ex-secretário de transportes para dirigir algo que não seja o belo ônibus fabricado pela montadora espanhola que enfeita o Fazendão e as ruas de Salvador em suas viagens dentro da Capital.
Creio que o treinador, apesar de teimoso e invencionista, deve ser mantido até o final do campeonato pelo menos. Algumas escalações equivocadas não significam necessariamente que estão levando o time a falhar. Na minha visão a qualidade do elenco é o elemento mais crucial neste processo. E qualidade padrão-miojo infelizmente custa caro para um clube que deve até a alma.
Saudações Tricolores!
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