Antes de iniciar este texto, peço licença aos que não acreditam no que direi aqui e aos ateus convictos, mas discorrer sobre religião será necessário nesta peça.
Oremos!
Primeiramente, há uma conhecida frase dita pelas religiões de matriz cristã que diz “aprendemos as coisas pelo amor ou pela dor”.
Esta frase pode ser interpretada de várias formas: há, por exemplo, os que colocam no condicional de “ou você segue os ensinamentos de Deus ou vai sofrer”; e há aqueles que fazem a leitura no sentido de dizer: “O aprendizado de cada um se dá ou aprendendo com a razão (ou com o coração aberto) ou mediante algo muito impactante que nos fará repensar nossas atitudes”. Eu, particularmente, acredito mais na segunda teoria.
A vida nos traz, a cada dia, vários desperta-amores ou desperta-dores. Eu entendo que nem sempre a dor é consequente à nossa imprudência, invigilância ou falta de visão das coisas. Ela pode simplesmente ocorrer e nos chamar atenção para a real necessidade de mudanças em nossas vidas.
Por exemplo: um indivíduo teve uma família que lhe deu amor, aconchego, educação, etc.; e mesmo assim este sujeito prefere fazer a escolha de não procurar crescer como pessoa e enveredar para o mundo das drogas, bebidas, etc. No nosso modelo judaico-cristão, a culpa nos é incutida de modo a dizer “este, fatalmente, vai pra sarjeta porque se afastou de Deus”, o que na prática quer dizer, na minha opinião, “vai pra sarjeta porque se afastou da igreja”. Mas não vou me alongar nesse assunto para não causar polêmica.
Enfim: o tal sujeito pode se regenerar, sim. Nada o impede. Ele pode se regenerar por um insight, percebendo o quanto está se prejudicando apesar dos prazeres em consumir os tóxicos, e tomar a decisão de mudar doravante; ou pode ser conduzido por um padre, um pastor evangélico etc. a uma denominação religiosa que o fará mudar por meio da fé. A metodologia pode variar desde as explicações transcendentais dos espíritas ao terror instalado pelos pastores neopentecostais num verdadeiro imperativo categórico dos infernos. O tal insight a que me referi acima pode ser uma tragédia como perda de um ente querido; ou pode ser simplesmente fruto de um momento de razão do cidadão. Há casos e casos, mas o certo é que cada indivíduo tem uma forma peculiar de aprender; e eu creio muito que a vida nos patrocina entendimento mediante várias oportunidades até acertarmos a direção da nossa paz de consciência.
Remetendo à Bíblia Sagrada, no livro de Jó é relatada a história de um homem que foi progressivamente testado em sua fé (dita inabalável) por Deus, de modo que quando percebeu-se destruído, perdendo tudo o que tinha, blasfemou contra o Criador e posteriormente compreendeu o que se passava. Este livro, diz-se, é uma lição para que possamos resistir às mais acerbas provas que porventura nos acometerem em nossas vidas. Muitas vezes é necessário acontecer aquilo que a gente mais teme para que possamos engendrar novos rumos e decisões, aprendendo com os reveses. Em linhas gerais, o caso de Jó também pode remeter ao dito popular “Deus escreve certo por linhas tortas”.
O Esporte Clube Bahia tem uma imensa e apaixonada torcida, uma das maiores do país em fidelidade e amor ao seu clube. Bicampeão brasileiro e um dos maiores recordistas de títulos estaduais no Brasil. Como todo grupo de pessoas ou coletividade, tem suas crendices, lendas, e outros factoides do imaginário. O Bahia tem “estrela”, tem “mística”, tem “camisa”, é “time de chegada” e tudo o mais. Tal sistema de valores, durante anos, sustentou raudineis e charles na crença no deus-estrela, quando a simples presença das cores do time resolvia os jogos, por mais limitados que fossem os elencos e por piores que fossem as circunstâncias. Qual era o maior temor da torcida tricolor nos anos noventa? Certamente, era ser rebaixado.
O segundo lugar no famigerado Torneio da Morte em 1989 não foi tão comemorado quanto a festa em Goiânia no ano passado, quando apenas escapamos de mais um descenso contra o Atlético local. Fuga de rebaixamento era motivo de temor, mas também era motivo de vergonha e, portanto, de ação; tanto que em 1990 fomos à semifinal do Brasileiro e éramos um dos favoritos ao título. Fomos nos acostumando a deixar de competir por colocações melhores em brasileiros, e com o advento das mudanças no futebol nacional e estagnação do Bahia neste cenário, passamos a disputar a não-queda ano após ano. Não-queda virou título, acesso virou glória e ônibus em comodato virou contratação. Time grande quando cai é tragédia que certamente será revertida, porquanto os grandes são grandes, mas no Bahia da Ribeira, a queda parece significar a volta a uma realidade da qual não deveríamos ter saído, como se disséssemos: “se cair não volta nunca mais”.
Tantos descensos depois, e o maior rival do Bahia crescendo e aumentando progressivamente seu cartel de títulos locais, o temor de cair foi dando lugar ao temor da desonra perante o seu maior inimigo. Perder do time de Canabrava no passado era acidente de percurso, tamanha a discrepância entre a realidade estrutural e de torcida entre ambos os clubes, a qual hoje tende a uma inversão. Tomar de cinco ou de sete do rival pareceria uma piada sem graça nos anos oitenta… mas tal fato tem se tornado cada vez mais frequente.
Perder do rival mexe com os brios de qualquer clube. Até em Barcelona, onde o famoso clube azul-grená tem como rival caseiro um clube inexpressivo, o clássico local é um jogo em nome da honra. Mas, no Bahia itapagipano, perder de cinco ou de sete do rival parece ser algo comum dentre os membros da sua diretoria, mas para a torcida é, certamente, o pior dos vilipêndios ao seu orgulho. Algo parece estranho, pois a torcida rival comemora como se tivesse decidido o título de domingo passado contra uma pequena zebra do interior baiano; e a torcida do Bahia parece estar anestesiada depois da porrada, aos poucos se recuperando e saindo da fase de negação para a de revolta, apud Kubler-Ross. Numa família, muitas vezes um irmão inveja outro irmão por causa do suposto sucesso ou preferência dos pais que ele não tem; e ao tomar tanta lapada do coirmão, a dor nos parece muito maior do que realmente é. Em qualquer time de massa, derrotas vultosas para o maior rival são motivo suficiente para derrubar todo mundo no clube.
Durante anos, os “pastores fanáticos” dos grupos de oposição alertaram para o modelo ultrapassado do Bahia e pediam por uma nova proposta para o clube. Foram chamados de tumultuadores, de bagunceiros e de pessoas que não amam o Bahia. Hoje, são eventualmente chamados de golpistas. Cunhou-se inclusive o termo “eterno” para legitimar uma prática consuetudinária e praticamente hereditária, calcada no clientelismo e no culto à personalidade como mote principal. Não há certo nem errado no aprendizado humano, e sim, formas diferentes de aprendizado bastante individualizadas conforme a personalidade e história de vida de cada um. O tempo é o senhor da razão, e a razão mostra que, quase quinze anos depois, o modelo implantado no Bahia pelos monarcas da Ribeira está mais do que desgastado: está falido. Mostra o tempo, inclusive, que os movimentos de oposição e os resultados progressivamente adversos (com poucos e pontuais sucessos) tentaram mostrar à massa tricolor que algo vinha de errado no clube. Nunca é hora para intervir e sempre é momento de reestruturar. O mandato de Marcelo Filho é legítimo assim como o de Washington Luiz o foi. Num golpe, usa-se a força; e o mais vulnerável no momento é uma torcida cansada de apanhar. Contudo, as grandes mudanças podem nascer de grandes crises, questionamentos e pressões.
A torcida do Bahia pode ser alienada ou pode não ser: o que importa é que tem aprendido alguma lição. Amanhã a democracia pode ser estabelecida no tricolor e um presidente mais incompetente que o atual ser eleito. Mas este é um risco que devemos correr, pois a liberdade de alterar nossa própria história precisa ser conquistada. Não tenho candidato nem tenho quem indicar, mas eu quero poder votar para presidente do meu clube e questionar sua gestão sem correr risco de ser interpelado judicialmente por ter opinião. Não quero nomes, e sim um novo modelo. Não quero salvadores da pátria, e sim um modelo que permita ações de salvamento da pátria que não estejam ligadas a uma personalidade, e sim à capacidade de fazer.
O torcedor do Bahia, finalmente, está entendendo o que se passa com seu clube. Não foi pelo amor, e nem a oposição pode ser considerada o tal amor; e sim um grupo de pessoas que começou a enxergar algo diferente – e amanhã eu posso vir aqui dizer que eles estavam enganados, pois o ser humano aprende com os seus próprios erros mais do que com os seus acertos. Bendito seja este maior de todos os desperta-dores, que foi a vergonha de ter a honra ferida diante do seu irmão vermelho-e-preto nesta nossa Bahia! Ainda virá o dia em que algumas emissoras de rádio e TV propagarão outras verdades, e lutarão por outras causas; e também haverá o dia em que o torcedor terá maior autonomia para filtrar o que quer saber pelos meios de comunicação. Este dia chegará!
Em tempo: ninguém quis intervir na época da série C porque a torcida ainda tinha a “fé inabalável”, assim como Jó.
Em tempo de novo: não se fala mais de escalação, de técnico nem de contratação no Bahia. O motivo disso todos sabem qual é. Público Zero e outros bichos são realidade porque a torcida tem se tornado simplesmente indiferente ao clube, pois não sente mais o clube como uma coisa dela, e estranha completamente aquela equipe que entra em campo costumeiramente toda de branco. O clube não pertence mais a torcida. E o Esporte Clube Bahia doravante ostenta um sufixo ao seu nome oficial, relativo ao bairro soteropolitano que revelou a Família Guimarães para além dos limites peninsulares.
Antes que me esqueça: alguém se arrisca a contrariar as previsões dos sites de prognósticos esportivos quanto ao futuro do Bahia neste Brasileiro, a ser disputado com uma equipe menor do que a dos cinco ou dos sete; e sem nenhum reforço até agora?
Palavras da Salvação.
Saudações Tricolores!
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