Com grande surpresa eu li essa frase do presidente tricolor Marcelo SantAna na manhã desta quarta-feira (07), em portal internético de âmbito nacional. Contextualmente, o mandatário do Fazendão ressaltou que os maiores rivais do tricolor baiano são tanto os clubes do Eixo Sul-Sudeste quanto – pasme! – equipes interplanetárias como Real Madrid e Barcelona, as quais não disputam a Copa da Via Láctea por falta de logística. Logicamente, SantAna, o qual pelo que saiba não é paciente do Juliano, se refere às preferências dos jovens torcedores.
Durante muitos anos, a tônica do futebol baiano foi a mesma de várias UF brasileiras num país continental, quando as distâncias e a logística deficiente na rede de transportes e comunicações impediam um campeonato nacional de clubes nos moldes de hoje. Praticamente, o Baiano se resumia às equipes da Capital e de Feira de Santana. Salvador tinha trocentas equipes, que aos poucos foram minguando e algumas morreram de fato.
Há quem diga que a decadência das principais equipes de Salvador fora da dupla Ba-vice tenha sido devido à profissionalização do esporte em detrimento do futebol romântico. Há aqueles mais radicais, que creditam tal decadência aos anos osorio-maracajianos e carneiranos quando supostamente Bahia e o Vice-de-Tudo teriam se valido de práticas pouco morais para vencer campeonatos, contratar jogadores e organizar tabelas e arbitragens. Os mais pragmáticos diriam que no interior da Bahia o desenvolvimento econômico era/é diretamente proporcional à inexistência de grandes clubes. De fato, o futebol local ficou restrito a um raio de 300 ou 400 Km da Capital em termos de preferência da torcida.
Somem-se a tais fatores a questão da pluralidade cultural do Estado da Bahia. De Eunápolis para baixo, parece ser outro Estado, e de Barreiras para o lado de lá, idem. Pelas ondas das rádios e TVs globais, o torcedor aplaudia e ainda aplaude seus ídolos de flamengos e vascos. Meu pai, por exemplo, criado em Senhor do Bonfim, tinha como ídolo o bonfinense e ex-tricolor carioca Pedro Amorim. Nunca o viu jogando ao vivo, mas conhecia sua família e escutava seus jogos pelo dial da época. Só “ouviu falar” do Bahia e do rival (à época não tão rival assim) quando mudou-se para Salvador nos anos 1950.
Neste momento, descerei um pouco no mapa do Brasil e daremos uma passada no Rio Grande do Sul: até os anos 1960, Grêmio e Internacional eram equipes locais, e a distância do Eixo Rio-São Paulo-Minas, o mais pujante politicamente, impediu que tivessem maior destaque nacional. Um fazia seu estádio e o outro fazia igual. Um fez estádio maior e o outro também. Um reformou seu estádio para a Copa e outro fez outro estádio do zero, novo e moderno. Apesar da rivalidade, quando um não quer ficar atrás do outro, os dois maiores do Sul nunca ficaram se medindo com o outro quando o assunto é olhar para o alto.
Dos anos 70 em diante, com a instituição do Brasileirão, ambos começaram a galgar posições de modo que hoje cada um tem um título mundial e duas Libertadores. Quando um deles vai mal, o outro não se contenta com o fato de ter ido melhor e cobra mudanças de sua diretoria. O Rio Grande tem seus males, como a falta de uma terceira força tal qual na nossa Bahia, mas seus maiores clubes, indiscutivelmente, possuem torcida em todo o Estado, posto que tornaram-se expressão cultural de uma UF que valoriza o que é dela. Até quem não sabe a diferença entre escanteio e tiro de meta tem sua preferência clubística na terra de Brizola.
Voltando à terra de Caetano, o passar dos anos demonstrou que as longas sequências de estaduais do Bahia nos anos 70 e 80 começaram a iludir a torcida. O título de 1988 foi uma grande oportunidade de crescimento efetivo perdida por vários fatores dentre os quais a falta de interesse [estou usando um eufemismo] dos dirigentes da época. O crescimento do rival, cuja maior expressão foi o vice da Série A em 1993, talvez tenha desviado o foco dos cartolas tricolores e dos respectivos torcedores. A “decadência” do Bahia aos poucos fez com que o seu torcedor se acomodasse com os campeonatos locais e deixasse de pensar mais alto. A queda do ano passado, não obstante não ter suscitado tanta indignação quanto antes, foi menos dolorida porque o rival foi junto. As comemorações efusivas (com direito a romaria até a Colina Sagrada) pelos corriqueiros não-rebaixamentos falam por si.
Decadência inclusive é algo relativo, pois, pelo que vejo, os outros clubes se adaptaram à realidade de mercado e os clubes nordestinos pararam no tempo. Talvez mais do que subir para a Série A e vencer o Campeonato Baiano e do Nordeste, o maior desafio tricolor seja sair do padrão de subdesenvolvimento futebolístico da sua região.
Como bem disse SantAna na aludida reportagem, o abismo financeiro entre Nordeste e Sul/Sudeste não permite mais que sonhemos com um novo 1988 neste momento. É preciso aceitarmos nossa realidade de clube DE e DA Série B, colocar os pés no chão e entendermos que o passado não volta mais. É preciso olhar para o presente e para o futuro. Por isso mesmo, tchôs e afins não me parecem ser algo tão catastrófico e a diretoria tricolor me parece, no momento, estar sendo muito coerente com o que prometeu neste sentido.
A reconstrução de um novo Bahia passa não apenas pelo time de futebol, e sim pela construção de um espaço em vácuos outrora negligenciados entre os jovens torcedores da capital e interior. O resgate do orgulho de ser baiano é pré-requisito para o resgate do orgulho de ser Bahia. Mais importante que vencer os clássicos do Estadual é subir com honra e garra; é sair de campo com a sensação do dever cumprido. Grandes torcidas se fazem com equipes vencedoras. Se conseguirmos, num médio prazo, criar uma estabilidade positiva, dali em diante caberá à diretoria criar mecanismos para angariar mais torcedores em Salvador, interior e até em Sergipe…
Já temos BAHIA no nome, nas cores, no que representamos. A Escola Baiana de futebol precisa mostrar a todo o país do que é capaz. Façamos a nossa parte e deixemos o rival fazer a dele se tiver cacife para tal. No dia em que taliscas saírem direto para os barcelonas da vida por altas somas e ficarem mais tempo que o de costume defendendo nossas cores, já será um avanço. Subindo e disputando G4 até o fim com certa regularidade, já será avanço maior ainda. Se um dia formos reconhecidos nacionalmente do mesmo modo que os times gaúchos, já teremos atingido nosso Olimpo e o que vier a mais é lucro.
É isso que espero deste e dos presidentes vindouros: “sair” da Bahia sem sair da Bahia e conquistar mares nunca dantes navegados. Camões deu joinha: a Taprobana é logo ali.
Saudações Tricolores!
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