Sempre que me defronto com uma situação dramática tenho a tendência de tentar contorná-la, torná-la mais digerível, através do humor. Dizem por aí que a capacidade de rir de si próprio é sinal de sanidade mental. Gosto de pensar que minha atitude ao zombar de coisa aparentemente séria e aflitiva pode ser um reflexo de boa eficiência da minha mente. Mas pode ser mesmo e apenas imaturidade e covardia para encarar a dura realidade sem disfarces e sem maquiagem.
Durante todo este ano de 2009 em que, após as transformações administrativas efetuadas pela nova gestão do Bahia, o clube montou um novo elenco sob o comando do técnico Gallo, eu evitei escrever sob o desempenho do time em campo. Parte disso se deveu ao fato de que as minhas opiniões eram coincidentes com o que a maioria da torcida veiculava nos meios de comunicação disponíveis: por não ter muito a acrescentar, preferi manter-me na condição de observador, para não ficar repetindo o que todo o mundo já comentava aqui e ali. Outro fator que justificou o meu silêncio foi o de tentar dar um voto de confiança à equipe técnica recém-montada, pois não achava possível cobrar resultados imediatos.
Surpreendentemente, o time pareceu encaixar-se no início do Campeonato Baiano e deslanchou a apresentar bons resultados e exibições bem convincentes. Jogadores como o goleiro Marcelo, a zaga com Alison e Nen, o meio com Leandro, Élton, Hélton Luiz e Léo Medeiros, pareciam formar uma espinha dorsal promissora. O estádio de Pituaçu começou a lotar e a manifestar uma vocação para tornar-se o caldeirão tricolor. Esse êxito precoce acabou por mostrar-se enganoso quando deixamos escapar a vantagem conseguida em campo, o campeonato caminhou para o seu desfecho com o time já meio descaracterizado e o técnico deu mostras de ter-se perdido um pouco.
Mais uma vez, a noção de que ainda era cedo para apresentar cobranças mais duras fez a mim e a muita gente ainda depositar confiança ou tolerância na continuidade do trabalho de Gallo, pois havia a manifesta esperança de que os frutos viriam inevitáveis durante o Campeonato Brasileiro da Série B. Todos estávamos à espera do pulo do gato de Gallo. Ele tinha que ter cartas na manga… Ele haveria de mostrar bem mais quando o grupo estivesse consolidado… Ele veio revestido do rótulo de formador de time! Era o nosso guia, com aquela voz de monge budista. O importante era a Série B e o time iria chegar lá estruturado.
Também havia a idéia de que PC, o huno, daria continuidade ao seu remoto histórico de boa garimpagem e ousadas contratações, mesmo com a penúria de recursos vigente. Não estou certo quanto aos números, mas ouvi falar em 35 contratações efetuadas, entre Cadus, Richellies e rancho.
E o tempo foi passando, o campeonato avançando, as promessas não vingando e as esperanças se desvanecendo. E o time foi caindo pelas tabelas e pela tabela. De repente nos demos conta que fomos logrados, engabelados, iludidos. Acordamos no meio de um pesadelo e notamos que, mesmo acordados, o pesadelo persiste como nossa realidade. O time com o qual contamos para tentar o acesso à Série A é uma piada. É fraco. Fraquíssimo. O técnico que nos conduziria à terra prometida mostrou-se confuso, equivocado e arrogante. Mandou o mar se abrir e o que conseguiu foi atrair um tsunami sobre nossas cabeças.
O gestor de futebol não conseguiu (ou não se empenhou para) nem mesmo contratar um só jogador que tivesse sido destaque no Campeonato Baiano (Neto Berola, Robert, Robinho) foram todos parar no rival, que os contratou basicamente mais para impedir que o Bahia se reforçasse do que necessariamente para utilizá-los. E ainda andaram levando para lá o lateral direito Nino Paraíba, cuja contratação fora anunciada antes pelo Bahia!! Ramon foi esnobado e o rival mais que depressa o segurou. Foi uma porrada em cima da outra. O que se viu mesmo em termo de contratações foi a rotina de uma seqüência de jogadores que não estavam em atividade (Rogério Correia, Lima, Joãozinho, Alex Terra), cuja recuperação física e clínica se tornaram mais um ônus para o Bahia.
Aqui no meu prédio tem um porteiro atrapalhado que parece ter sido a inspiração para o Porteiro Zé, que tanto sucesso fez na internet. Quando o interfone toca e a gente reconhece a voz dele, sabemos imediatamente que devemos ligar um mecanismo de decodificação da mensagem que virá. Se, por exemplo, ele diz Chegou o rapaz da pizza, aqui!, devemos entender que o colega de meu filho chegou com as apostilas para estudar para a prova; se diz Diga a Lucas que Vito tá aqui embaixo, podemos concluir imediatamente que André ou Guga estão a caminho já subindo o elevador; se fala Avise a Dona Ângela que o carro dela está com o farol aceso, podemos ir logo preparando o macaco e chave de roda, pois o carro de Mateus está com o pneu furado. O nome desse simpático e útil porteiro é Joel.
Após essa fatídica derrota dentro de casa para o Figueirense, fui percorrendo as rádios em busca de notícias sobre as conseqüências que adviriam. Entre os muitos comentários sobre a possível demissão do técnico Gallo, um me chamou a atenção: o repórter Márcio Martins revelou que, no momento de uma substituição, o funcionário tricolor que foi levar o recado para chamar o jogador que iria entrar, entendeu que o jogador escolhido seria Beto. Quando gritou Quem? Beto?, pedindo confirmação do nome ao técnico, ouviu a resposta Não, Paulo Roberto!. Ato contínuo, Beto, retado, deu um chute num cone que foi parar num motel das proximidades do estádio. Aí Paulo Roberto entrou e foi aquela catástrofe, quase superando o insuperável Ávine.
Nada disso teria acontecido se o técnico fosse o nosso porteiro Joel. Os funcionários do clube já saberiam utilizar corretamente o decodificador das mensagens do técnico maluco e quando ele anunciasse a escalação ou pedisse uma substituição, fariam exatamente o oposto do solicitado. A solução para o Bahia, portanto, é chamar Joel. O meu prédio vai sentir saudades. Mas pelo menos eu vou rir.
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