é goleada tricolor na internet
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Publicada em 27 de setembro de 2011 às 00:00 por Autor Genérico

Autor Genérico

O diabo não sente cosquinha

Passadas três partidas desde meu último e primeiro texto, o clima soturno que tomava conta da psicosfera de sessenta por cento dos naturais da República Bahiense deu uma arrefecida. Dois resultados expressivos e uma derrota considerada aceitável pelas hostes azuis, vermelhas e brancas.

Primeiro o resultado inacreditável (diante de tanta tristeza pré-jogo era inacreditável mesmo) contra o Fluminense do falecido escritor mundo-cão Nelson Rodrigues, o qual até volitou das profundezas do inferno em direção ao caldeirão de Pituaçu para perguntar se eram as suas personagens femininas que estavam em campo…

Em seguida, um gude-preso contra o Atlético Caveirense da cálida Curitiba. Jogo difícil e perigoso contra um adversário que sempre nos deu sufoco. Valeu pelos três pontos, pelo belo gol de Júnior Peróxido (outro gol daquele só quando o cometa Halley passar na Estação Pirajá) e só.

Finalmente, no último final de semana, o gude-preso foi do Corinthians contra o Bahia. Jogo com bola na trave e sufoco para cima do Timão. No final, um resultado normal para o contexto, pois os paulistas correm atrás da liderança e jogaram em casa, e pelo menos o Bahia fora da zona do meretrício.

De qualquer forma, aqueles que defendiam com unhas e dentes a presença do ex-comandante Auto-Ajuda Simões perderam completamente o argumento em dizer que “o problema do Bahia não é treinador”. Na verdade, é e não é, e vou explicar o porquê:

O problema do Bahia não poderia nem ser resumido no singular. São VÁRIOS problemas. Enumerá-los aqui seria algo semelhante a traduzir o Código Civil pro Aramaico Arcaico do tempo de Djísus Cráisti e escrevê-lo em pergaminho na base do bico de pena.

Exageros à parte, na verdade o Bahia pode ou não ter problemas. Basta ajustar a resolução da óptica e enxergar o Bahia conforme a sua maneira de ver o mundo.

O futebol moderno, para me valer do chavão dos cronistas moderninhos dos dias hodiernos atuais de hoje em dia, já dá sinais de que não é possível mais praticar o esporte bretão de forma que não seja cada vez mais profissional e com uma boa visão de mercado.

Contratar com a competição em andamento e admitir jogador só pra fazer número não tem sido lá uma atitude adequada. Fazer do Bahia o “Lata Velha” para jogadores de futebol fora de mercado pode ser um tiro no pé.

A torcida, impaciente e sequiosa de títulos expressivos, quer que “sejam mesclados jogadores da base com medalhões”, mas esta não é uma fórmula fixa que sempre dá certo e pode ser de longuíssimo prazo.

Tem que ter uma base, mas sair vendendo o feijão assim que dá broto nem sempre é a solução (pode ser a salvação de uma dívida vencida, apenas isso). Por falar em solução, parece que a diretoria tem escutado o velho ditado que diz que “atleta jovem demais é investimento e não solução” e tirou os meninos promissores do Bahia da conta-corrente e colocou-os na poupança ou no fundo de renda fixa (com os devidos lá-eles que a frase poderá gerar). Se vai resgatar o valor antes ou depois da rentabilidade de fato, isso ainda não sabemos, até mesmo porque parece que falta à turma dos guimas um pouco de visão estratégica para certas coisas. De qualquer forma, parece que tem aprendido algo.

Eu falo, esculhambo e faço troça do horroroso bigode do Guimarães, o verdadeiro proprietário do EC Bahia Ltda (o filho é o gerente geral e Accioly o “encarregado”), mas não sou burro. Gerir um clube de massa e mantê-lo pelo menos num steady state dentro do topo do futebol brasileiro é difícil como o diabo. E um clube nordestino de uma cidade complicada como Salvador-Bahia, com tudo que lhe é peculiar em termos de cultura, política e economia, é mais difícil ainda. Mas porém todavia entretanto no entanto, o bom gestor é aquele que faz do impossível o factível… dizer que o Nordeste inteiro padece deste mal é afirmativa correta, porém limitada, pois como diria um amigo meu, “cada um com seus problemas”… a tag word desse papo todo é AMBIÇÃO.

A questão não é tornar ou não o Bahia o clube top do top no Brasil e talvez no mundo, coisa que nosso coração de torcedor apaixonado almeja e quer desesperadamente; mas é pelo menos tornar o Bahia um clube competitivo que sempre “dê testa” nos considerados grandes e possa passear no G4 sem ser muito incomodado. Isso seria o mínimo.

Enquanto disputamos os títulos dos Campeonatos Brasileiros de Não-Rebaixamento e da Série “A-linha”, vemos que o Bahia pode ser do jeito que o plasmemos. Vamos falar de indicadores:

Todo mundo sabe que estivemos entre os oito melhores do brasileiro em sete ocasiões no pós-1971 (1976, 1978, 1986, 1988, 1990, 1994, 2001). Isso dá 17 por cento. Se eu considerar entre os quatro primeiros, isso dá apenas 4 por cento. Não estou levando em consideração os regulamentos esdrúxulos e malucos ao longo dos anos nem estou contando as Taças Brasil e assemelhados, por serem mais parecidos com a atual Copa do Brasil e serem mais regionalizados entre poucos clubes. Enfim: nunca fomos um clube de elite, embora por muitos anos fomos um clube da elite.

Não vou nem falar da era pontos corridos, com apenas uma competição disputada pelo Bahia no que se considera Série A e outra em andamento ainda…

O tempo passou, as práticas de antes se mantiveram dentro do Bahia e o futebol acabou disparando na Ferrari e a mentalidade dos desportistas baianos ainda tenta engatar a marcha do fusquinha.

Hoje os clubes procuram fontes alternativas de marketing e receitas. Tentam fazer do seu torcedor mais do que um sócio e sim um parceiro. Contratação agora tem que ter avaliação de risco, tem que corresponder em campo e fora dele. Camisas, ingressos etc. não bastam mais. É preciso uma base boa e barata para garantir títulos e fontes de renda suplementar. É preciso agora mais do que dinheiro na mão: ter uma reputação, pois o empresário do bom jogador não quer vê-lo em qualquer timeco, por maior que seja a sua torcida. Quer vê-lo no Jornal Nacional, na Placar, no Liberal, na Folha de São Paulo, Zero Hora e no Correio Braziliense e não apenas no Globo Esporte Bahia nem apenas no A Tarde.

E, enquanto isso, os guimas permanecem num jogo o qual não sei se é cínico ou se é puramente conservador, porque depende mesmo do ponto de vista.

Seria mais ou menos assim: me parece que a família que hoje gerencia o tricolor fundou um novo clube desde que assumiram em 1998, com pequenas pausas para acomodar petrônios e assemelhados.

Assim sendo, vejam os cartéis do Bahia aG e do Bahia dG:

Bahia aG ou ECB 1931: 1931-1997 (66 anos)

– 2 títulos nacionais (1959 e 1988)
– 42 campeonatos baianos
– 3 participações na Libertadores
– Participação em TODAS as edições da Série A.

Bahia dG ou ECB 1998: 1998-2011 (13 anos)

– ZERO títulos nacionais
– DOIS campeonatos baianos (1998 e 2001)
– ZERO participações na Libertadores
– Participação em CINCO de QUATORZE edições da Série A (2000, 2001, 2002, 2003 e 2011), sendo que apenas uma foi de forma eticamente aceitável.

O que posso dizer, no mínimo, é que o Bahia de hoje não é mais aquele. Se isso é apenas uma fase é outra história.

O ECB 1931 não era o papão nacional de títulos, mas não permitia sequências intermináveis do rival dentro da Bahia e não costumava perder de goleada dum tal de Ferroviário nem tomar de sete do Cruzeiro dentro de casa. Dentro da Fonte Nova, quando perdia, era com muita raça e de pouco. Um clube vencedor para os padrões nordestinos, pois foi campeão nacional duas vezes e contra times-base das Seleções das épocas.

O ECB 1998, por sua vez, é um time esforçado, que veio da série C e luta pela hegemonia contra o maior papão da Bahia, o Exu-Caveira (ECV), e procura consolidar-se no cenário nacional após subir de forma brilhante à Série A, ficando no G4 da B-2010 por várias rodadas, fazendo uma campanha superior à de 1999 e conquistando a vaga.

Para quem torce pelo ECB 1931, a fase é péssima, mas o pior já passou, embora estejamos ainda no marasmo de todos os anos comemorar resultados efêmeros e pontuais como este último contra o Fluminense. Comemorar não é pecado e é natural, mas a diferença está em como encaramos o fato diante da vida.

Para o Bahia 1998, conquistamos o primeiro triunfo contra um “grande do G12” em casa. Estamos nos afastando da zona e nos consolidando aos poucos na Série A.

Para o torcedor do Bahia 1931, nada ainda está bem.

Para o torcedor do outro Bahia, o Bahia paralelo, MGF está fazendo uma excelente gestão, contratando craques de seleção e colocando o Bahia, que antes ilustrava apenas manchetes de pé-de-capa do site Futebol Interior, para aparecer na primeira página da Globo.com.

Cabe a você, torcedor, dizer qual o Bahia queremos, pois a julgar pela postura e atitudes de até agora, esta diretoria me parece já ter feito sua escolha: a de enxergar o Bahia como um clube apenas “engraçado” perante a mídia e os anais (epa!) da História do Futebol Nacional.

Em relação ao título deste artigo, voltemos uns oito ou nove anos no tempo, mais precisamente ao velho e querido Hospital Couto Maia, aonde servi como interno e residente.

Estava eu no plantão, num dia de sábado e, enquanto não chegavam pacientes, passava o tempo assistindo na TV um jogo do Bahia pela Copa do Nordeste (sinceramente, não me lembro qual). Eis que chega um senhor de seus quarenta anos acompanhado de dois filhos e da esposa, todos bem humildes, porém bem vestidos. Eram evangélicos e acabaram de sair do culto. Veio o paciente, o filho mais novo deste senhor, encaminhado do posto do bairro aonde mora dentro da ambulância.

De fato, o menino estava de pé e lúcido, porém totalmente desorientado (não dizia coisa com coisa) e em desalinho. Segue o diálogo:

Eu: Ele usa alguma substância?

Pai: Somos crentes. Meu menino não toma isso não, com certeza!

Eu: Ele toma remédio controlado?

Pai: Não, doutor. Ele é normalzinho. Endoidou de repente.

Eu: Como foi que começou isso?

Pai: Seguinte: a gente estava no culto e o menino de repente começou a sair parecendo um doido pela igreja. Aí o pastor pegou ele e levou pra detrás do palco e fez um teste para ver se era problema médico ou se era coisa do demônio. Aí deu que era coisa pro médico da Terra, e o pastor mandou a gente procurar o posto de saúde.

Eu: (muito curioso, porém sério) E o senhor poderia me dizer como é que faz pra ver se é o diabo ou não?

Pai: É fácil. É só fazer cosquinha. Foi isso que o pastor fez!

Eu: Como?!

Pai: Doutor, o diabo não sente cosquinha não, e o menino sentiu. O senhor não sabia disso???

Eu não sabia…

Depois da anamnese e exame físico, e baseado no relatório de encaminhamento, descobrimos que o garoto teve uma meningoencefalite bacteriana. Foi tratado e recebeu alta em bom estado de saúde.

Teve o pastor em questão uma metodologia diagnóstica completamente leiga, bastante pitoresca e totalmente desprovida de embasamento científico. Igualzinho como a diretoria do Bahia costuma agir. Afinal de contas, foram mais de quarenta jogadores testados com critérios completamente tendenciosos, a maioria reprovados e alguns nem escalados. Sabe-se até de contratação de brincadeira visando sacanear o rival.

Quanto ao treinador, o qual citei lá em cima, Joel Santana fez o simples: deixou de criar fórmulas próprias no futebol, deixou de valorizar em excesso o que não existe (a “categoria” e o “potencial” do elenco), deixou de prometer glórias e colocou os pés no chão; prometeu raça em vez de triunfos e construiu o time em função do que seu material à disposição pôde proporcionar. Deixou o time a cara do Bahia guimaraniano: retrancado, feio, fechado e pequeno. Enfim: sardinha! Uma hora pode dar certo.

Joel resolveu pontualmente e momentaneamente a postura do Bahia em campo, tendo-se em vista os poucos porém menos ruins resultados amealhados até agora. Mas certamente não resolverá o calhamaço histórico de problemas não só do Bahia, mas de todo o futebol da Bahia.

Assim sendo, quem quiser que plasme o melhor Bahia para si. O que eu conheci não é este, é outro. Este de agora vai muito bem, obrigado, pois nunca ganhou nada de importante na vida e não tem com o que se decepcionar ou criar expectativas. O outro, o Bahia da minha infância, era mais ousado, ambicioso e vencedor. O Bahia do “meu tempo” sofre. A cada dia é afogado num tanque com pequenas pausas para respirar a fim de que a tortura não vire morte de fato.

Palavras da Salvação,

BBMP!

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