Parece um grande absurdo que eu diga isso, não é?
Um clube de massa, Torcida de Ouro, com estimados três a cinco milhões de torcedores, todos gritando aquela frase pornófona cujo acrônimo é “BBMP”; dois títulos nacionais, cores vibrantes, torcedores, dirigentes e conselheiros ilustres, e coisa e tal…
Mas o Bahia interessa a Ninguém mesmo!
Que horror! Um clube que colocou mais de 110 mil pessoas na Fonte Velha, que colocou 97 mil pessoas num clássico local, 44 títulos estaduais, jogador de seleção americana e marca de camisa americana, um clube sólido como cálcio, firme como rocha, indestrutível como o aço e uma máquina de marketing em potencial… um patrimônio da Bahia de Maria Quitéria, de Ruy Barbosa e dos quatro alfaiates [pegos para cristo] da Rua da Forca: um foco de resistência contra os flamengos do Sul Maravilha e um clube do segundo ou terceiro maior destino turístico do Brasil! Um potentado cultural-esportivo que representa todo o patrimônio imaterial de um povo e o representa em seus domínios ou fora deles.
Mas interessa a Ninguém.
Uma sociedade outrora descrita pelo poeta, em pleno Século XVII, como pertencente a uma terra de “dous ff” (um de “furtar”, outro de “f…”); uma sociedade que já albergou e idolatrou juracys, vianas e antônios-carlos; um povo que tem orgulho do seu Carnaval de sangue, suor, nádegas e esperma – que destrói totalmente a cidade às cinzas e enriquece soberbamente uns e outros em detrimento desses ou daqueles.
Nada de novo acontece nesta Bahia, a não ser uma greve sem precedentes das forças policiais e o caos instalado como num filme-catástrofe de Hollywood no qual somos os atores coadjuvantes e maiores vítimas; uma greve de professores sem precedentes e uma sociedade cada vez mais ignorante; numa terra onde governos loteiam serviços públicos entre amigos; onde são criados falsos ídolos no rádio, televisão e em programas que dizem imitar a realidade.
Uma cidade onde jogador de futebol faz valer sua vontade como quiser e bem entender, dando uma enorme banana a quem lhe paga o salário e entrando e saindo de campo a hora que achar conveniente; uma cidade onde nos queixamos do trânsito e deixamos que os mesmos empresários ditem regras no transporte coletivo há mais de quarenta anos; uma cidade onde nos queixamos do lixo na rua e dos mendigos pelas esquinas, completamente drogados, e deixamos de pagar impostos, protestar, cobrar soluções e continuamos a pagar milhares de reais para adentrar o circo romano e assistir a batalha das feras do alto dos camarotes carnavalescos; ou assistimos a tudo impassíveis de dentro dos nossos não tão herméticos veículos com ar-condicionado.
Elegemos as mesmas pessoas de sempre para os cargos eletivos, e estas mesmas pessoas de sempre continuam fazendo as mesmas coisas de sempre. Salvador perde progressivamente turistas, a despeito do seu aeroporto Dois de Julho ainda servir de grande ponto de entrada. Vivemos do turismo e nos conformamos com isso, somos cordiais, receptivos, calorosos… mas vem as chuvas, vem o trânsito caótico e vem a insegurança desfazer completamente esta imagem positiva que nós temos – e reforça mais ainda os estereótipos negativos que nós temos. Assistimos todos os dias histéricos comunicadores anunciando o caos, postando-se como arautos da desgraça ou paladinos da Verdade e da Justiça, e nós os aplaudimos freneticamente. Assistimos todos os dias poderosos cobrando-nos gratidão pelas coisas feitas ou não feitas, mesmo que mal e porcamente, posto que não temos sangue azul e não nascemos em berços folheados a ouro de baixo quilate – e nós, envergonhados e cabisbaixos pela nossa insignificância e inferioridade, dizemos que eles tem razão e nos curvamos à sua pseudo-realeza.
Estacionamos em cima do passeio, em fila dupla, andamos pela contramão, paramos e estacionamos onde queremos, atravessamos a rua em vez da passarela, assistimos calados ao loteamento de apenas um lado da cidade para deixar empreiteiro feliz. Fazemos xixi na rua como cachorros no passeio matinal das madames dos jardins floridos. Pagamos propinas e nos orgulhamos de ter este poder. Falta emprego, faltam fontes alternativas de trabalho e riquezas e nos incomodamos com os camelôs na rua, achando que um simples rapa resolve a situação. Dirigimos embriagados e reclamamos dos rigores da Lei; xingamos o prefeito ou o governador quando nós mesmos os colocamos lá…
Quem manda nesta Bahia podem não ser necessariamente as mesmas pessoas, porém estas pessoas passam sempre o bastão a outras pessoas. Aqui ou aí na Bahia, o que importa são os sobrenomes e não os nomes: é o DNA e não a capacidade. E nós cidadãos, em conjunto, somos os maiores responsáveis para que eles continuem onde estão. Polêmica, nesta Bahia, é o vestido branco que a torcedora de grife não vestiu, ou o fruto da má-estrela de um time que dominava o jogo; ou de uma má fase de mais de quinze anos. Polêmica, na minha querida cidade, são as preferências alcovitárias de certas artistas – aliás, não apenas na minha cidade, como também no feliciano Brasil varonil. Tomamos de cinco na casa alugada mas somos melhores do que eles. Matar e roubar é rotina mas somos pacíficos e hospitaleiros. Dissimular e fingir é tudo e dizemos que o momento é de união, pois nunca é “hora” para intervir.
Temos títulos, denominações, cargos, funções; dizemos que somos amigos dos poderosos e que fazemos parte do poder. O poder inebria, e estar perto do poder entorpece. Mostramos através de fotos que não temos nobreza, mas temos o privilégio de frequentar a Corte. E o trabalho não pode parar.
Quem manda nesta Bahia é amigo de todo mundo (e todos os nobres são amigos entre si). Amigo inclusive de quem manda no carnaval, amigo inclusive de quem manda no futebol. E de quem manda no futebol do Esporte Clube Bahia.
A culpa da situação na qual o Esporte Clube Bahia se encontra não é exatamente do presidente ou dos conselheiros, estes também amigos dos seus gestores máximos.
A culpa da situação do Bahia é principalmente de todos nós cidadãos. Inclusive de quem não torce pelo Esquadrão de Aço.
A culpa, na verdade, é de toda a sociedade soteropolitana e de toda a sociedade baiana. É minha, é sua, é nossa.
O Bahia interessa a Ninguém mesmo. Nós, na verdade, somos o Tudo, e ao mesmo tempo somos o Nada. Somos Ninguém.
Tristes sucessos, casos lastimosos,
Desgraças nunca vistas, nem faladas.
São, ó Bahia, vésperas choradas
De outros que estão por vir estranhos
Sentimo-nos confusos e teimosos
Pois não damos remédios as já passadas,
Nem prevemos tampouco as esperadas
Como que estamos delas desejosos.
Levou-me o dinheiro, a má fortuna,
Ficamos sem tostão, real nem branca,
macutas, correão, nevelão, molhos:
Ninguém vê, ninguém fala, nem impugna,
E é que quem o dinheiro nos arranca,
Nos arrancam as mãos, a língua, os olhos.
Saudações Tricolores!
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