O ano é 1837, o autor dinamarquês Hans Cristian Andersen publica um conto de fadas chamado ”A roupa nova do rei”. Essa obra narra a história de como dois vigaristas conseguiram constranger e enganar um monarca altivo e arrogante. No conto, os vigaristas apresentam-se ao rei como alfaiates vindos de terras distantes capazes de produzir roupas belíssimas, chiques e magníficas, mas que somente os mais inteligentes poderiam enxergar.
O envaidecido rei, seduzido pela ideia vendida pelos falsos tecelões, despeja montantes absurdos de riquezas para montar o ateliê dos ”alfaiates” e permitir que eles produzam as indumentárias. Quando chegou o momento de recolher o vestuário, o rei encontrou apenas as mesas vazias. Temendo ser considerado burro, o rei entrou na cena, fingindo acreditar que está sendo vestido pelos tecelões e sai em procissão pela cidade para mostrar seu novo look. Os súditos, ao verem o seu líder esbanjando poses, fingem concordar com a absoluta pretensão e lançam falsos suspiros de admiração. Até que uma criança larga: – O rei está nu. E o rei segue pomposo e mais orgulhoso que nunca, até cair em si e se dar conta da vergonha que havia passado. Esse texto é uma alegoria para mostrar que se até uma criança, na sua pureza infantil, consegue apontar as vergonhas do rei, qualquer um pode perceber a farsa.
Esse conto pode ser usado toda vez que percebemos um cenário onde tudo parece ser magnífico, imponente, mas basta chegar alguém com a estratégia certa para derrubar todo o castelo e expor a fraqueza do império. Como por exemplo, o Bahia. O nosso tricolor de aço no ano de 2024 tem uma falha conceitual que se manifesta no campo. Um calcanhar de Aquiles. Toda vez que pegamos um time fechadinho, com duas linhas de quatro bem definidas, marcação individual forte e um balanço defensivo encaixadinho, estamos passando mal. Foi assim nos cinco clássicos contra os galiformes monoponto, foi assim no jogo contra o Criciúma e, por fim, no jogo contra o CRB no último domingo, 26 de maio de 2024.
Se nos jogos contra equipes mais ofensivas, onde o Bahia não pode ser considerado favorito, estamos conseguindo ser superiores, criar uma grande quantidade de chances de gol e converter essas oportunidades, contra equipes que congestionem a intermediária do próprio campo, o Bahia está tendo seus limites expostos. Numa semifinal de Copa do Nordeste, contra uma equipe que paga IPTU na segunda divisão do futebol brasileiro, um freguês useiro e vezeiro, o Bahia só conseguiu criar quatro oportunidades de marcar o gol. E destas quatro, uma foi de bola parada e outra foi numa roubada de bola no campo ofensivo quando o adversário tentava sair pro jogo, um comportamento de transição ofensiva. É muito pouco. A impressão que passou foi que o técnico do ‘galo da pajuçara’, aproveitando a semelhança que as espécies do filo chordata tem, pegou emprestado a planilha do ex-técnico da ‘galinha de canabrava’, aplicou e teve o mesmo sucesso. Daniel Paulista deixou o Bahia nu, sujeito ao vexame.
É preciso abrir os olhos quanto a essa dificuldade, afinal, o único alento que sobrou para o Bahia salvar o ano de 2024 é trazer uma novidade. Porém, historicamente falando, o Bahia já consegue fazer de 22 a 30 pontos enfrentando as equipes da região Sudeste. Com times piores já demos nossas porradinhas nos cariocas, paulistas e mineiros, principalmente na Fonte Nova. O problema do Esquadrão são os jogos contra os postulantes a queda (principalmente os que usam a cor verde). Nem sempre teremos lapsos de genialidade, como o lance de Cauly contra o Criciúma, para retirar os ônibus Scania K500 que essas equipes estacionam na frente da área para impedirem o acesso dos atletas do Bahia.
Perder essa seletiva jogou a pressão no elenco do Bahia lá em cima para o restante do Campeonato Brasileiro e Copa do Brasil. Sobretudo porque eles, mesmo com a eliminação, tiveram seu crédito recente reconhecido e saíram aplaudidos de campo. Porém, o nível de jogo do Bahia vêm sofrendo uma queda nos últimos jogos e nas próximas rodadas iremos começar a enfrentar as equipes que morarão na parte de baixo da tabela. E para que esse elenco corresponda essa confiança vai ter que entregar resultados. Quem sabe uma semi-final de Copa do Brasil, uma campanha de 56 a 64 pontos culminando numa classificação para uma Copa Libertadores da América. Mas, para isso, vai ter que ganhar as duas partidas para as quatro equipes que irão compor a zona da confusão, para o porteiro e para o guarita. Vai ter que fazer o lá e lou.
Não é momento de atear fogo as vestes, mas é preciso ficar velhaco. Falando em vestes, para manter a boa campanha, tem que parar imediatamente de permitir que equipes inferiores retirem nossos belos trajes e nos deixem desnudos perante quarenta e cinco mil pessoas. Sob o risco de virarmos torcedores conformistas, que cantam a plenos: – Ihhh, o importante é competir.
BBMP !
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