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Publicada em 19 de setembro de 2023 às 07:48 por Victor Moreno

Victor Moreno

O camisa 9

Belo Horizonte, 13 de agosto de 2023.

                A bola é um objeto exótico. Ela é escorregadia, se esgueira dos pés de quem não a agrada. Mais que isso: – a bola é ciumenta. Se ela se afasta de quem não a trata bem, ela busca quem a domina. É como um cachorro fiel. Eis que nesse dia supracitado, no horário de almoço, num lance muito bonito executado pelo ponta-direita que deixou para trás dois marcadores e chutou de canhota para a defesa do guarda-redes adversário, a bola sobra para o meio campista que entrega o sonho de todo camisa nove: o cruzamento rasteiro para empurrar para as redes. Essa bola não chega por acaso, ela vem porque procura o camisa 9. O nove é como um cantor de samba de roda descontente com o público cantando repetidamente ‘’vem pra mim’’ para que o público venha sambando em sua direção. E é assim que ele chama essa bola. – Vem pra mim. Repete o centroavante. E ela obedece, porque ela o ama, ela o venera. Acima disso: – ela o respeita.

                Não importa a condição geométrica da bola (se ela vem redondinha ou quadrada, no jargão do futebol), o nove a adestra. E ao receber um passe forte, queimando a grama, não existe outro destino: a bola adentrará na rede adversária. O nove é como um caminhoneiro inveterado, motorista de 9 eixos, trabalha também com caçambas, cegonhas e tanques de produtos químicos, ele é acostumado a entregar o produto do ‘’homi’’ no destinatário em qualquer circunstância, a qualquer horário. Ele sabe os caminhos, não precisa de GPS. Ele sabe inclusive onde se alimentar no percurso, tem um rotograma salvo para cada local do seu campo de trabalho. O nove mapeia os espaços, faz movimentos calculados, para se colocar a disposição da bola e dar confiança a ela para retribuir o carinho. E quando a bola chega, ele broca. Não tem jeito. Como estávamos dizendo, ela veio forte, queimando a grama, mas o 9 estava lá e num carrinho, empurrou-a para as redes igualando o placar.

                Salvador, 20 de maio de 2023.

                O escore marca um a zero para o visitante, jogo encardido, peleja entre dois concorrentes diretos das mesmas pretensões no campeonato. Eis que surge uma oportunidade de um contra-ataque do time da casa. A superioridade é clara: são 4 do time da casa somados a mais de quarenta mil torcedores aflitos e ansiosos contra dois adversários angustiados e com poucos recursos para evitar o gol. A bola procurou a camisa nove para conduzir essa jogada. Ele a domina de forma magistral, levanta a cabeça e de forma extremamente altruísta, passa ela para o meio campista que o substituiu no seu habitat natural: a área.

                O meia que veste a 8 então dominou, chamou a bola de você e com nojo e até um pouco de displicência a tocou mansinha para o fundo das redes no cantinho direito. Na comemoração, ele apontou para o nove, que num momento de substituição de funções, serviu o companheiro para marcar um belíssimo gol. A torcida, por sua vez, enlouqueceu. Foi um golaço, um contra-ataque de almanaque. Cervejas voaram, crianças pularam e bandeiras balançaram em um espetáculo lindo do futebol. O maior momento. Digo mais: – a razão de existir do jogo.

                Qualquer localização, qualquer data.

                O time adversário tenta uma saída de bola apoiada, com goleiro participando com os pés, semelhante inclusive ao que o esquadrão que veste as cores vermelha, azul e branco tenta executar e às vezes consegue, às vezes não consegue por falta de coragem. Mas o adversário é um time bravo, qualificado, que tem volantes de altíssimo refino técnico, capazes de proteger a bola, girar, encontrar espaços vazios, colocar seus laterais para jogar de frente pro gol. Mas, felizmente, o poderosíssimo Esquadrão de Aço o possui: o camisa 9.

                Num gesto espetacular de desarme, que arrancaria aplausos até do Sr. Edvaldo dos Santos, o Baiaco, o camisa nove pressionou o portador da bola, a roubou (até porque a sua relação com a bola é intimista e possessiva) e marcou um belíssimo gol. Outro dia, o camisa nove conseguiu fazer uma interceptação de passe numa leitura sensacional de tempo de bola e serviu o companheiro que perdeu um gol feito.

                Na descrição de data, listamos qualquer dia e qualquer lugar, porque esse é o comportamento natural do nosso camisa 9. Ele é, antes de tudo, o primeiro defensor do time quando não temos a bola. Ele é moderno e clássico ao mesmo tempo. Ele domina tudo que é preciso na sua profissão. Dario uma vez disse que o futebol possui duas profissões e algumas funções, sendo o centroavante e o goleiro as profissões. O Bahia tem um profissional da camisa 9.

Salvador, 16 de agosto de 2023.

Infelizmente, tudo que foi dito acima é mentira. Se você chegou até aqui, já deve ter percebido que tudo isso foi apenas um sonho que poderia ser realidade se tivéssemos um jogador competente vestindo a camisa 9. Nada do que foi dito acima são pré-requisitos de um craque, são apenas características de um bom camisa 9: presença de área, ambição para marcar gols, controle de bola, inteligência para atacar espaços vazios, ajuda na criação e na marcação.

O nosso camisa 9 não é sedento pela artilharia, não dá um carrinho para marcar um gol. Seus tentos são marcados quando a bola chega livre, limpa e frontal a meta. É um samba de uma nota só, unilateral. O seu controle de bola é irritante, ele precisa de revólver calibre 38 em sua cintura para conseguir matar uma bola. Atacar a última linha não é uma opção para ele, pois, ele está sempre ocupado fazendo outra coisa que não é o que deveria fazer no momento. E a mais broxante de suas ‘’características’’: ele não ajuda na marcação. O centroavante moderno não pode se resumir a marcar gols (que sequer ele marca), tem que ser o primeiro e mais motivado defensor do time. Isso porque no futebol atual, uma quantidade absurda de gols saem a partir da roubada de bola no campo de ataque. 

O Bahia é um dos times que mais cria no campeonato, que tem números interessantes de gols esperados, mas possui um camisa 9 que precisa de 115 minutos para chutar uma bola pro gol. Observe, não é para marcar um gol, é para apenas finalizar. Marcar gols não é sua especialidade, afinal ele tem 3 em 16 partidas. Ele chegou ao ponto de ser substituído em algumas partidas por um reserva que estava na terceira divisão.

Fomos absolutamente negligenciados pelo grupo City a respeito dessa posição. Eles pisaram na nossa história, mostraram completo desconhecimento. Simplesmente ignoraram que estamos acostumados desde 1931 a sermos o terror das defesas adversárias no que se refere a centroavante. Já tivemos Carlito, Hamilton, Beijoca, Charles, Claudio Adão, Dadá Maravilha, Marcelo Ramos, Nonato, Gilberto, Souza, etc. A nossa história é rica e vasta. Gritar ‘’uh terror, o fulano é matador’’ ou ‘’abre passagem, o terror chegou, o fulano é matador’’ é quase uma obrigação num jogo do Bahia. E para 2023, nos entregaram um arquétipo de centroavante e um jogador aposentado. Depois, tentaram corrigir com um ponta-direita de baixa qualidade que perambula pelos times do grupo, um jogador de Serie C e agora um ponta-esquerda que ‘’pode jogar como 9’’.  Sinto-me enganado, ludibriado.

A impressão que eu tenho vendo os jogos do Bahia é que estivemos a um ‘’Deyverson’’ de acabar o turno com no mínimo 25 pontos. Eu vou me atrever: se tivéssemos mantido as opções que disputaram a Serie B de 2022, estaríamos muito mais bem servidos.  Eu me arrisco a dizer que esse é o pior 9 titular desde Selmir. E me questiono todos os dias se Selmir era tão ruim quanto ele ou se apenas ficou marcado pelo gol perdido contra o Brasiliense. É urgente a retirada do ‘’camisa 9’’ do Bahia do time titular. Acrescento: ele deveria ser dispensado. Não acompanho os treinos, mas se o que ele faz lá for reflexo do que ele faz no jogo, ele abaixa o nível do treino (assim como faz com o jogo). No último Bahia x Corinthians, um volante do Bahia chegou ao ponto de desperdiçar 3 chances claras de gol, enquanto o camisa 9 sequer figurou no lance. É como se entrássemos com um a menos todo jogo: não faz um pivô porque não domina uma bola, não ajuda na criação da jogada porque toma más decisões, não faz gols porque nunca tá lá e também não ajuda na marcação porque se sente especial.

Triste Bahia. Triste camisa 9.

 

Nota de rodapé: o texto acima foi escrito após o jogo contra o Atlético-MG e, por temer que o texto chegasse até o nosso brioso atleta e afetasse sua autoestima, optei por não publicá-lo. O que mudou em um mês? Da parte dele, nada, ele permanece sendo um jogador completamente improdutivo, colecionando momentos vexatórios, fazendo fiasco em campo. De lá pra cá ele já negou uma bola para Biel no jogo contra o Botafogo e ontem negou uma para Thaciano e não fez os gols nas oportunidades. O seu controle de bola segue sendo o pior da história do clube para um 9 e ele segue sendo um a menos na fase defensiva. Da minha parte o que mudou é que perdi de vez a paciência e deixei de ir à fonte nova, visando a minha saúde mental e para não me meter numa confusão por reagir ao desempenho deste ‘’jogador’’ em campo. Nesse tempo, houve mudança na comissão técnica e o ‘’jogador’’ parece que está cada vez mais prestigiado. Nessa dividida entre ele e eu, parece que ele venceu. Ele vai seguir atrapalhando o Bahia e eu vou me tornar violinista de Titanic, só aceitando o desastre e vivendo a tragédia.

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