O padrão de qualidade de uma conhecida emissora brasileira é notório em mostrar um mundo perfeito, praticamente estéril, sem sujeira, sem miséria, pessoas lindas, corpos exuberantes, dentes perfeitos e o bem e o mal bem distintos um do outro. Esta mesma emissora ajudou nos últimos anos a popularizar uma paixão do brasileiro, e levou aos mais distantes rincões nacionais as cores da seleção brasileira de futebol.
Antigamente composta por pessoas de carne e osso, tendo como exemplos o cirrótico e finado Sócrates, o “super-sincero” Romário e o sexualmente heterodoxo Ronaldo, esta Copa do Mundo mostrou um elenco bastante assemelhado com o padrão de qualidade da tal emissora: todo mundo certinho até demais, com seus penteados exóticos e suas frases de efeito, inflamados por um narrador histérico, por muitas vezes rouco, quiçá senil e às portas da aposentadoria.
“Nossa tradição resolve e no final das contas tudo vai dar certo”. Aliás, esse é um pensamento recorrente na vida do brasileiro retratado em novelas e minisséries, onde as pessoas são “sofredoras” no amor e no dia-a-dia circulam felizes pelo Leblon à espera do amor da sua vida. Não vemos tais personagens de novela trabalhando, estudando nem nada disso.
Não vi os treinos da seleção brasileira para vaticinar que não houve trabalho ou que não houve treinos. De repente até houve… mas tal qual nas novelas, o mundo global desvelava diariamente jogadores excessivamente felizes e aparentemente pouco focados, cercados de fãs enlouquecidos e naquele clima de ufanismo até as últimas consequências. “Sofredores” no amor do seu povo, mas “vencedores em nós mesmos e isso nos basta”.
No mundo global ludopédico brasileiro, o vilão são todos os gringos e os heróis vestem verde e amarelo. Ontem, 8 de julho de 2014, o mundo brasileiro ruiu, mas já vinha abalado há tempos.
Um elenco composto por 23 atletas que ganham salários de 150 mil reais a 5 milhões de reais; quase todos com larga experiência internacional em campos europeus, não pode entrar em campo de forma a encarar uma decisão por pênaltis como se tivesse perdido de sete. Ontem perdeu de sete e a choradeira não foi tão grande na hora… já era nítido que, além do descontrole emocional durante quase toda a competição, a seleção brasileira foi extremamente mal-convocada e mal escalada. Ok, temos realmente uma entressafra de talentos, mas o nosso treinador optou por escalar uma seleção composta de pessoas de sua confiança fora de campo e pagou caro por isso, ao contrário de 2002, quando a estratégia deu certo.
Há vários problemas a enumerar, os quais não caberiam nesta coluna: dentro do time mal-escalado, pouca força ofensiva e dependência de lampejos de um craque lesionado o qual ainda precisa de muita coisa para se consolidar, não obstante a sua fratura vertebral. Marcação falha e atabalhoada no meio de campo, ataque inoperante com um centroavante confuso de estilo ultrapassado, laterais que não sobem mas também não marcam e um treinador teimoso que sabe que condutas assim podem levar da glória à desgraça em minutos.
Fica a lição de como marcar a saída de bola do adversário é importante, conforme sinalizei na coluna passada… ficam também as lições de como disciplina, planejamento em longo prazo, privacidade em um distante resort construído especialmente para esta competição e uma geração de atletas discretos que trabalham firme em equipe: esta é a seleção germânica que mandou o Brasil, junto com Felipão, todos os santos, superstições, medalhinhas, promessas, simpatias, orgulho nacional, José Maria Marin e Marco Polo para o quinto dos infernos.
Em menos de sete minutos as esperanças brasileiras de fazer bonito na Copa das Críticas foram pro ralo e sete gols foram para a sacola de Júlio César. O narrador histérico, atônito, deu um grande f…-se para o seu estilo protocolar e disse nas entrelinhas “deixa eu voltar pro meu apê com vista pro mar lá em Mônaco que isso aqui é esparro”. Desejo ao nosso simpático comunicador uma bela aposentadoria e final de vida.
Morreu Luciano, morreu Maurício, morreu di Stefano, morreram uns dois ou três jornalistas gringos, morreu a seleção global ufanistoide paranoica? Isso só saberemos lá na frente.
A seleção brasileira jogou um belo cartel de cinco Copas do Mundo, tantos craques e fascínio em todo o mundo na lata do lixo. Hoje arrisco-me a dizer, sem medo, que Brasil e Vanuatu é tudo a mesma m… Inclusive, melhor seria disputar as Eliminatórias da Oceania, porque lá o monoocular sempre se sobressai no meio dos amauróticos. Mancha que jamais sairá. Pode-se ganhar mais 15 Copas e ser icosacampeão no futuro, mas essa geração está perdida e a dor da vergonha jamais sairá das entranhas do torcedor brasileiro.
Nunca mais o torcedor brasileiro verá sua seleção da mesma forma que até ontem. Como nas desgraças sempre existem grandes lições, taí o Bahia que não nos deixa mentir, o qual precisou levar de cinco, seis, sete até aprender um pouquinho a lição. Só um pouquinho. Ser torcedor do Bahia nessas horas até que é bom, porque já estamos mais do que vacinados contra esse tipo de decepção…
Dizem que na cartomancia a morte é sinônimo de renovação, e deve realmente haver mudanças na CBF depois de tamanha tragédia e algumas mortes de pessoas ligadas ao esporte. Contudo, ainda espero pelo dia em que os velhos e bons cartolas de sempre larguem o osso; que as receitas de TV dos clubes sejam igualitárias, que a CBF se limite em organizar as seleções e deixe os clubes criarem uma liga e decidirem seu próprio destino, que ética, planejamento, organização e disciplina possam fazer parte tanto do vocabulário cebeéfiano quanto do Esporte Clube Bahia… estas renovações ainda pagarei pra ver, e talvez jamais verei nessa vida. Será que eu ainda verei um Nordeste menos flamenguizado e mais confiante em si mesmo?!
Um dia o Bahia tomou de sete do maior rival e mudou mais um pouquinho. A SeleCBF vai mudar com certeza, mas não acredito que seja da forma que eu espero. Pelo menos, eu disse pelo menos, que o trabalho visando 2018 comece a partir da próxima segunda-feira, depois de contabilizados os lucros incessantes da Fifa e os prejuízos ao Erário e à autoestima do torcedor brasileiro.
Apesar de tudo, mesmo que vençamos na Rússia, a mancha de ontem é eterna. E a cada gol, conquista e triunfo brasileiro sentiremos a pontada do punhal germânico em nosso peito.
Quanto aos políticos, bom para o país que não houve “lucro” nem para a situação nem para a oposição, oportunistas do futebol que são. Esta por sinal, ficou tão atordoada com o resultado que nem se arriscou a mexer com quem tá mordido. Que a campanha comece e que o Brasil vença!
E nós, mortais, vamos ao batente porque nossa vida ainda nem passou da primeira fase. Trabalhar, estudar e dar aos nossos filhos um futuro melhor é mais importante que esporte, mesmo que o esporte seja dignificante: no caso, envergonhou a todos.
Resignações brasileiras e tricolores!
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