Imaginem vocês que o técnico René Simões, ao final do jogo contra o Ceará, declarou que não sabe onde se encontra o problema que tem levado ao desempenho precário do time atual do Bahia e que iria passar a noite pensando em que providências deveriam ser tomadas e/ou testadas doravante para a inadiável e imperiosa (adjetivações minhas) correção de rumos.
Essa declaração seria perfeitamente cabível se o referido técnico ainda estivesse treinando a Jamaica ou a Seleção Feminina e fosse questionado sobre uma situação remota, sobre a qual ele não detivesse maiores ou privilegiadas informações. Mas ocorre que ele é o treinador desse time cuja origem dos problemas ele diz desconhecer! Portanto, a tradução óbvia do que ele quis dizer é: eu estou perdido! Socorro!
Ele sabe que sabe muito de muitas coisas, que estuda os pontos fortes e fracos dos adversários, mas que não consegue comunicar eficazmente e concretizar nada do plano tático até antes do intervalo dos jogos – o time só parece ganhar algum ajuste no segundo tempo (depois que os nossos jogadores parecem finalmente ter identificado o que o professor teorizou antes da partida). Mesmo assim, a melhora aparente se dá em parte por conta da postura de retração dos adversários que já se encontram em vantagem no placar.
Mesmo admitindo que René esteja perdido, é difícil crer que ele não saiba que está criando um problema para si (e para nós) ao escalar, por exemplo, o lateral Dodô; que não saiba que esse problema já veio herdado de antes da sua chegada, quando esse lateral foi contratado por Angioni e mantido no elenco como única alternativa de substituição para Ávine. A mesma situação se dá na lateral direita, em que, na ausência do sempre ausente Jancarlos, um esforçado Marcos tem servido de boi de piranha redentorista, atraindo para si toda a fúria da torcida para remissão dos pecados dos seus pares.
Evidente que ele sabe que os seus volantes, que ele costuma escalar em trios, não têm movimentação e pegada atrás nem chegada na frente (sem conotações sexuais, por favor). Esse trio, sempre posicionado recuadamente (pelo técnico?), mas distante dos adversários, nunca cumpre a missão de anular as ações ofensivas desses e ainda permite nos jogos dentro de casa que o oponente tenha maior tempo de bola nos pés. Por que será que o Bahia não consegue executar nem os protocolares 15 minutos de sufoco inicial que os times mandantes costumam exercer? Somos bons anfitriões, não?
Não há dúvida para René que os armadores do time não conjugam o verbo armar, nem segurar, nem lançar, nem tabelar, nem chutar. A exceção seria Ricardinho, para o qual René destina sempre uma dúvida sobre seu condicionamento para correr os 90 minutos regulamentares e só o coloca em campo quando os 90 minutos já estão completamente transcorridos! Isso quando ousa colocar. Se Ricardinho é o único que tem um bom passe, mas não é muito empenhado como marcador, não seria o caso de armar um esquema para deixá-lo à vontade para fazer o que melhor sabe e o que mais precisamos – que é de quem crie algo producente?
É claro que René sabe que o elenco de atacantes que lhe colocaram à disposição só tem centroavantes inoperantes, que foram rejeitados pelo Figueirense e Ceará (Reinaldo e Júnior, respectivamente), pelo Corinthians (Souza) e, até certo ponto, por nós mesmos (Rafael). Ele sabe que o elenco só tinha um único jogador efetivo, que chutava em gol, que acertava o gol, que fazia gols, que era Jobson, o qual ele teve que dispensar para dar exemplo e manter coeso o grupo dos que chegam cedo à concentração e chegam tarde à bola (ou nunca chegam a ela).
A respeito de Jobson, seu comportamento e o tratamento que lhe foi dispensado me fazem lembrar uma máxima de João Saldanha que, ao ser questionado sobre jogadores problemáticos, dizia sempre: Eu não quero jogador para casar com minha filha. O caso de Jobson era que ele estava mais para descontração do que para concentração. Eu tenho a impressão que ele, ao chegar no sábado às 6 da manhã para uma concentração iniciada na sexta às 10 da noite, estava deixando claro que a concentração estava começando antes do tempo devido. O tempo de Jobson não é medido nos relógios normais, porque ele não é normal (ele foge à norma). Haveria de existir um fuso horário jobsoniano.
Só estou exprimindo esse ponto de vista sobre Jobson aqui porque não sou candidato a nada nas próximas eleições nem estou envolvido em nenhum concurso de popularidade, porque sei perfeitamente que ninguém compartilhará dele. Mas, tirando as vaias do coro dos descontentes adeptos da moral e dos bons costumes, e talvez umas ameaças de emasculação que receberei, não tenho muito mais com que me preocupar. Não posso negar, entretanto, que Jobson, ultimamente, já estava se deixando envolver pela mediocridade dos seus companheiros em campo e estava se tornando… normal. Por isso, a sua saída não será colocada como divisor de águas nem de coisa nenhuma.
O marco divisório do Bahia que iria para algum lugar que não a Segunda Divisão foi estabelecido exatamente aos 49 minutos do segundo tempo do jogo contra o Vasco. Aquele gol do empate vascaíno, naquelas circunstâncias, depois daquela falta imbecil de Marcone, com a postura descontrolada, atônita e assustada de todo o time que não se sentia digno ou capaz de sustentar um triunfo que parecia garantido, selou o nosso destino de time sem ânimo, sem auto-confiança e sem ambição. Esse Bahia que está aí é o avesso do Bahia; é o Bahia com a imagem invertida no espelho.
René Simões não precisa passar uma noite em claro para concluir isso. Quando ele dorme, deve ter pesadelos com aquele jogo e com os próximos. Eu tenho.
Ele sabe que tem em mãos jogadores que não são nem tão limitados tecnicamente, mas que não conseguem formar um time juntos. René, fiel ao seu estilo, talvez desejasse poder passar para os jogadores o conceito expresso na sentença latina e pluribus unum (que eu traduziria livre e contestavelmente como: a unidade na pluralidade). Seria melhor que a preleção dele se limitasse a uma única frase: Bora Bahêa Nessa Porra!
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