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Publicada em 14 de março de 2011 às 00:00 por Autor Genérico

Autor Genérico

Doutor Uzeda

Todas as homenagens deveriam ser prestadas em vida. Fazê-las na condição póstuma talvez seja uma satisfação que prestamos a nós mesmos, não a quem partiu em definitivo. Mas pode ser também uma necessidade imperativa da saudade. Eu diria que é a forma mais clara de dizer ao mundo o quanto alguém foi importante para nós.

Não sei se isto é homenagem, ou dor demasiada, ou uma tentativa de correção tardia pela minha própria ausência quando talvez um amigo mais tenha precisado da minha presença. Deve ser um pouco de cada coisa. Mas a parte maior, bem maior, é saudade daquelas bem doídas no coração da gente.

Uns passam pela vida e simplesmente se vão… Outros passam pelas nossas vidas e deixam saudades eternas.

O meu amigo Luis Carlos Uzeda, ou “Uzedinha”, na mais autêntica forma que eu encontrava para expressar meu carinho por ele, era um amigo que não impunha fronteiras aos amigos e nem de quem dele precisasse. Como médico ou como amigo, em quaisquer circunstâncias lá estava Uzedinha, ou o Dr.Uzeda. Numa ou noutra condição, a atenção dispensada era a mesma para com todos.

Uzeda era a aurora do seu próprio dia, um esposo terno, um amante da música, amigo dos poetas, dos pescadores, dos humildes, fiel aos seus colegas, capaz de todas as grandezas como pai compreensivo, apaziguador, justo, coerente e dedicado. Falar dele no exercício da sua profissão torna-se redundante.

Acho que da vida ele gostaria de poder medir o ilimitado e o incomensurável, quem sabe transformá-los num rio e sentar-se à sua margem para observar o seu curso e poder entendê-los melhor. Talvez fosse essa a forma d’ele compreender pessoas, coisas e fatos sem que o seu coração sangrasse… Era a própria piedade personificada.

Quando Deus solicita a alma, e a terra o corpo, fica a essência exemplar para o aprendizado da família, e dos amigos também.

O Nelsão era um campo de futebol que comportava catorze jogadores – sete pra cada lado –, com um gramado que à época era o melhor da sua categoria na região metropolitana de Salvador. Era o chamado “baba de Deiró”, onde até os profissionais da bola gostavam de se divertir quando podiam. Funcionava aos sábados e domingos como se fosse uma religião…

Eu jogava no gol, e na lateral-direita o “fominha” Dr. Uzeda, que toda vez que eu pegava a bola lá estava ele bem juntinho de mim, dizendo: “sai comigo Djalminha que eu meto nos caras lá na frente”. Jamais cedia seu lugar para alguém, ele tinha de ter algum lado egoísta e certamente era esse. Se o time dele ganhasse as duas seguidas – eram três times – ele ficava “secando” do lado de fora até que alguém tivesse alguma estafa para ele entrar novamente, em outro time.

Brincalhão emérito ficava apontando o nosso querido Bernardo Spector – jogava aos sábados – que tinha uns tornozelos que pareciam inchados de tão diferentes que eram dos normais. Uzeda tirava um sarro – não na vista de Bernardo – daqueles! Porém não olhava um “joanete” de dar dó que ele possuía no dedão do pé direito, e quando dava um passe torto ele mesmo dizia “desculpem, foi o joanete”.

O Nelsão foi construído por um grupo de amigos, médicos e engenheiros. Tinha uma drenagem que nem a Fonte Nova possuía. Às vezes, aos sábados, recebíamos convidados ilustres como Cláudio Coutinho, Cerezzo, Evaristo – no auge de suas carreiras – etc., e, costumeiramente aos domingos, Edil Pacheco, Ederaldo Gentil, Osni, Paulinho Boca de Cantor, Beijoca, Jorge Campos, Douglas, Roberto Rebouças, e tantos outros mais assíduos como Leguelé, Altivo, Vavá, Ricardo Longhi, Estevam Soares, Fito… Eram muitos!

Lembro-me que era dia de Bavi, década de 80, o domingo no Nelsão era imperdível e lá estávamos – sempre pela manhã. Dentre outros amigos presentes estavam Bebeto, Osni, Altivo, Beijoca, Leguelé, Estevam, Longhi, Edmilson Pombinho, Douglas, Paes, Ubaldo… A maioria desses ainda na ativa à época. Show de bola, um luxo! Ao término da pelada, Uzeda perguntou a Clínio – um dos fundadores do Nelsão: vai pro Bavi, “tio”? A resposta veio na tampa: “quem viu a exibição soberba dessa moçada, sendo também protagonista, vai fazer o quê na Fonte Nova? O que eu tinha de ver já vi participando, irmão!”.

Uzeda e Gal – sua esposa – seriam os padrinhos do meu primogênito, Gustavo, mas tal era a grandeza de tantos afilhados que os Uzeda já possuíam que eu e minha esposa desistimos de dar-lhes mais um afilhado e da honra de tê-los como compadres. Mas eu tinha em Uzeda muito mais que um compadre, eu tinha um irmão! E é este o meu sentimento… Perdi um irmão.

xxx

Aos leitores que não conheceram Luis Carlos Uzeda, peço desculpas. Fui forçado pela saudade e pela dor a fugir da norma habitual desta coluna. Mas não poderia deixar de escrever sobre uma pessoa tão singular. Peço desculpas, também, aos meus editores. Vez por outra a gente também escreve sobre saudade…

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