Domingo. Dia de futebol. Na atual situação de recesso em que o Bahia se encontra (sim, não é só o Judiciário e o Legislativo que têm a prerrogativa de vários recessos ao longo do ano – já estamos na segunda pré-temporada em apenas 06 meses), o time foi jogar na aprazível cidade de Santo Antonio de Jesus contra a famigerada seleção local. O valor do cachê recebido pelo clube para colocar 11 jogadores profissionais em campo por 90 minutos foi equivalente ao de um percussionista de banda de axé music por 15 minutos de show. Ouvir o jogo no rádio foi o programão que escolhi para o meu fim de semana esportivo.
Gosto de acompanhar uma partida de futebol pelo rádio. Acho que boa parte das pessoas da minha geração até dissocia o futebol visto ao vivo daquele ouvido no rádio. São coisas bem diferentes. Ver um jogo na televisão ou no estádio não deixa nenhuma margem para a nossa imaginação: está tudo ali, cru, na nossa frente. Só mesmo partidas muito espetaculares vistas ao vivo podem nos trazer tanto sentimento poético, onírico, frenético ou qualquer outro proparoxítono aplicável.
Assim foi que me vi girando o dial à procura de alguma emissora que estivesse prestes a transmitir o jogo do Bahia. Entre um “Sai, Capeta!” aqui e um “Xô, Satanás!” ali, sintonizei uma emissora que estava transmitindo futebol, mas se preparava para narrar o jogo do Flamengo contra o Figueirense! Obviamente a transmissão iria ser via “tubão”, ou seja, o locutor vê a transmissão pela TV e narra o que vê na tela – expediente cada vez mais comum, com a falta de bons patrocínios e das conseqüentes verbas para deslocamento das equipes para os locais dos jogos. O único problema que vejo nesse tipo de conduta é quando se quer fazer o ouvinte crer que o locutor está lá no estádio e não cá… no estúdio. Aí eu fico torcendo para haver queda do sinal da TV e acompanhar o desespero e a enrolação do pobre do locutor. É constrangedor, mas divertido.
Mas eu não estava a fim de ouvir jogo de Flamengo zorra nenhuma! Meu negócio é o Bahia, jogue contra quem jogar. Principalmente enfrentando a seleção de Santo Antonio. Eu trago uma rivalidade atávica contra Santo Antonio de Jesus. Apesar de minha mãe ser papa-jaca (denominação ligeiramente difamante e degradante dos nascidos nessa cidade), eu sou papa-siri (idem para os nascidos em Nazaré). Trago na lembrança os renhidos embates entre as seleções dessas duas cidades nos intermunicipais dos anos 60. O pau comia solto dentro e fora do campo. E Nazaré levava sempre uma pequena desvantagem nos dois terrenos, pelo que me lembro. O tempo passou, Nazaré estagnou e Santo Antonio se tornou quase uma megalópole. Não creio que hoje ainda persista a rivalidade de outrora, mas ouvi dizer que depois das explosões de algumas fábricas de fogos em Santo Antonio, o pessoal de Nazaré acreditou estar sob ataque e mandou instalar um sistema de defesa anti-mísseis, tipo escudo Guerra nas Estrelas.
Quando finalmente localizei uma rádio que teve a gentileza de valorizar a torcida do Bahia e transmitir o nosso jogo, os times já estavam em campo e um repórter entrevistava um jogador de Santo Antonio denominado Nego Dá. Vejam o pronunciamento do jogador: “Nós vamos tentarmos conseguirmos um resultado positivo”. Eu, que já estava maravilhado com a alcunha do jogador papa-jaquense, fiquei absolutamente encantado com essa sintaxe. Que maravilha de concordância! Minhas referências mais remotas relativas ao ensino do Português, como Profa Maura Santana (Educandário de Nazaré), Profa Olga Pereira Mettig, Prof. Domingos Paschoal Cegalla, só para citar alguns baluartes da defesa da língua pátria que marcaram minha infância, ficariam em estado de estupor com essa construção frasal. Se fosse dita numa sabatina do meu tempo, resultaria numa dúzia de bolos de palmatória. Talvez não fosse um resultado muito positivo para o Nego Dá.
O jogo em si deve ter sido duro… de assistir e de narrar. Nem a mágica do rádio conseguiu transformar Zé Galinha, Beá e Bii em craques perigosos. A ameaça de Nego Dá se restringiu à retórica pré-jogo. Não houve espaço para dar asas à imaginação. Dormi. Quando acordei, ouvi que o placar estava 3×0 para o Bahia, mas que Santo Antonio tinha conseguido 18 escanteios até aquela altura. Dei graças ao fato de não estarmos num Torneio Início. Na verdade, acho mesmo é que estamos no fim. Oxalá o rádio traga melhores momentos até o final desses tempos de interminável recesso.
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Num programa esportivo radiofônico dominical, eu ouvi Rui Acioly dizendo que no ano de 1998 ele disputou com o Bahia 03 competições e o saldo foi altamente positivo, pois ganhou 02 delas: foi Campeão Baiano, Campeão da Taça Maria Quitéria e só foi mal mesmo no Campeonato Brasileiro da Série B daquele ano, quando o time não passou da primeira fase!!! Eu gostaria muito de não ter ouvido essa declaração. Estou me sentindo mal até agora. Ele acredita mesmo nisso, meu Deus? Que essa estatística é favorável? Pior: ele acredita que a gente é imbecil? Vejam onde é que eu fui amarrar meu jegue… Tou lenhado!
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Numa outra resenha esportiva, a falta de fato relevante deu lugar, como sempre, a um factóide: a discussão de Petrônio Barradas com um jornalista de A Tarde. Parece que Petrônio se recusou a falar com o jornalista e disse que ele era mau-caráter porque havia publicado uma nota dizendo que ele, Petrônio, não fora encontrado no Fazendão. Petrônio liga para a rádio, indignado, aos gritos, e diz que praticamente mora no Fazendão e que pode ser encontrado lá a qualquer tempo. Ora, se isso é verdade, então foi o jornalista que não procurou direito e pronto. Ou o jornalista é preguiçoso, ou procurou no lugar errado, ou Petrônio estava disfarçado de Borat e não foi devidamente identificado pelo repórter. Se a matéria dizia que “Petrônio não foi encontrado”, não significa necessariamente que ele havia abandonado o Bahia (quem dera!). Ficar todo abespinhado por causa de uma besteira dessas… Controle emocional e discernimento zero! Muito barulho por nada. E eu ouvindo essas baboseiras.
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Em outro segmento da entrevista de Rui Acioly, esse diz que o Bahia é um clube aberto, praticamente escancarado, arreganhado. Como prova disso, afirma que qualquer torcedor pode ir lá na Sede de Praia e procurar um funcionário do clube para comprar um título de sócio. Muito fácil, portanto. Por que será que não há uma corrida desenfreada nesse sentido?
Num outro programa de rádio que permite a participação do torcedor por telefone, um deles pergunta porque o Bahia não vai até o torcedor para tentar vender os títulos de sócio em vez de ficar esperando que nos desloquemos até o clube. Excelente pergunta. Acrescento: por que o Bahia não oferece a oportunidade de associação ao clube via internet, no site do clube? Os boletos de pagamento podem ser impressos via internet. Poder-se-ia pagar no cartão de crédito também. Torcedores do interior ou de outros estados poderiam, aí sim, facilmente, associar-se ao clube. Até votar na eleição poderia ser via web. Há ou não há interesse em se aumentar o número de sócios? Houve recentemente uma campanha de preenchimento de cadastro no site oficial do Bahia. Tive a ilusão que haveria contato em seguida para as pessoas cadastradas se associarem. Até agora não vi nada de efetivo decorrente dessa campanha.
E fica sempre a pergunta: associar-se pra quê? O sócio do Bahia tem direito igual àquela pessoa que é presa: ficar calada, pois tudo que disser pode ser usado contra ela. As pessoas que criticam os mandatários são reiteradamente desqualificadas e acusadas de nunca terem feito nada pelo clube. Parafraseando o comercial de biscoito: “Mamãe, eu nunca contribuí internamente na vida do Bahia porque nunca deixaram ou nunca deixaram porque eu nunca contribuí?”
Quantos torcedores já pagaram carnês de título de sócio e seus nomes nunca apareceram na relação de associados, pois jamais lhes cobraram as mensalidades? Quantos contribuímos como Sócios Torcedores? Há alguns anos, quando o Bahia lançou uma campanha para fazer doações via conta telefônica (algo tipo Disk Bahia), havia concomitantemente uma campanha idêntica de doações para Irmã Dulce. Optei por fazer várias ligações para o número do Bahia. Acho que os céus não me perdoaram até hoje. Eu mereço.
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Gostaria de solicitar às torcidas organizadas que aprendessem a cantar o grande hit da internet de Cris Nicolotti, para poderem demonstrar o seu desagrado contra o técnico, contra a diretoria, contra o juiz, quando convier. É bem melhor que invadir o campo, atirar a pilha do rádio ou partir para agressão física. Funciona como um bom desabafo, uma boa catarse. Toda vez que eu tenho pensado no que o Bahia tem me proporcionado ultimamente, eu começo a cantarolar: “Vá tomar no …”
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