Cambridge, 07 de março de 1953
Um trabalho desenvolvido por um grupo de cientistas gerou uma das maiores descobertas biológicas da humanidade: o DNA. Para além das polêmicas no contexto da realização desta pesquisa, bem como quem foram seus autores e as apropriações intelectuais envoltas na descoberta científica, a estrutura (geralmente em forma de dupla-hélice) do ácido desoxirribonucleico (DNA) é responsável por armazenar as informações genéticas da maioria dos seres vivos existentes no planeta Terra.
Corriqueiramente referimos-nos como DNA toda e qualquer característica que um ser, um grupo, uma sociedade, uma organização, etc. apresentem de maneira quase que única e intrínseca. Comportamentos, aparências, predisposições, tendências e ancestralidade são características que costumam ser associadas à genética. Em um clube de futebol, o seu DNA está no modelo de jogo que agrada a torcida, perfil de atleta que atende aos parâmetros culturais baseados numa construção coletiva de ídolos e esquadrões passados, bem como a influência da população local na maneira de fazer futebol no clube.
No Esporte Clube Bahia, para cada posição existe um conjunto de características que fazem os atletas caírem nas graças do torcedor: O goleiro com excelentes reflexos e que evita ao máximo saída curta com os pés pra não matar o torcedor do coração; o lateral rápido, que busca a linha de fundo para fazer a área, em detrimento do lateral construtor ou do lateral defensivo; o zagueiro viril, de boa bola aérea, que não hesita em dar bordoadas ou tirar feio; o camisa 5 é o cão perdigueiro, capaz de cobrir uma larga faixa de campo, mesmo que sua técnica com bola seja limitada; o meio campista com bom chute de fora e capacidade de organização de jogo interessante; o camisa 10 nas entrelinhas aguardando uma bola chegar para tentar definir; os pontas rápidos que auxiliem na busca da linha de fundo e apareçam para finalizar de vez em quando e, por fim, o matador que veste a 9.
Baiaco, em sua passagem pelo Bahia (Arquivo Correio)
Isso explica porque certos jogadores de qualidade chegam ou são lançados no Bahia e não conseguem ganhar o carinho da torcida e, por fim, saem queimados. O clube de futebol se personifica nos atletas e no tetracampeão do nordeste existe uma lista de ídolos e jogadores marcantes que talharam essa memória afetiva e criaram o DNA tricolor. A torcida sempre vai querer um novo Mailson, Baiaco, Beijoca, Léo Oliveira, Lima, Marquinhos, Naldinho, Bobô, Marito, Ronaldo, Emerson, Emo, Jésum, Ueslei, Claudio Adão, Nonato, Vicente Arenari, Biriba, Zé Carlos, Paulo Rodrigues, Gil Sergipano, Claudir, Paulo Robson, Florisvaldo, Rebouças, Zanata e tantos outros atletas marcantes que viraram totens para comparar com os atletas do plantel atual do bicampeão brasileiro.
No coletivo, o time do Bahia precisa ser sempre um time objetivo, com transição rápida, defesa sólida, muito forte dentro da Fonte Nova, com uma bola parada intimidadora, que vibre na mesma frequência da torcida e que sirva entretenimento. Modelos de jogo mais cadenciados, com um repertório maior de jogadas, que utilize de um jogo mais técnico não atendem ao imaginário coletivo do aficionado tricolor. Tampouco esquadrões de imposição física que utilizem retrancam como estratégia e busquem ser efetivos em poucas oportunidades.
O tranquilizador de corações é um time muito específico. Também por isso é um clube tão apaixonante, mesmo sem uma alta frequência de grandes títulos. E para construir um time com cara de Bahia é preciso uma pesquisa minuciosa dos jogadores que serão contratados e o principal: é preciso formar jogadores de futebol com a cara do Bahia.
Desde a redemocratização do clube, os presidentes eleitos falam em trazer de volta a identidade do Bahia. No discurso de Marcelo Sant’Ana ao apresentar suas propostas nas eleições para o triênio de 2015 a 2017, ele falava em formar um elenco com algo próximo a 50% dos jogadores oriundos das categorias de base do clube. E assim cumpriu, mas naquela altura, não logrou êxito em campo e bons jogadores acabaram tendo sua trajetória no Bahia abreviada devido ao insucesso no Campeonato Brasileiro da Serie B. Nomes promissores como Gustavo Blanco, Yuri, Rômulo e Zé Roberto pagaram pelo planejamento apressado e emocionado e acabaram sendo responsabilizado pelo não acesso do clube e tiveram que sair posteriormente para demonstrar seu talento em outras agremiações.
Os anos se passaram, mas o trabalho do Bahia na divisão de base não evoluiu tanto como outras áreas do clube. Pelo contrário, estagnou-se ou piorou. Sucessivas mudanças nas coordenações e gerências de divisão de base, mudanças na metodologia, comissões técnicas, incertezas sobre o modelo de jogo que deveria ser característico nas categorias, insucessos esportivos, transição base-profissional apressada ou mal feita, não reconhecimento de talentos, contratações demasiadas de jogadores oriundos de outros clubes na tentativa de acelerar o processo de revelação, foram alguns fatores que explicam o porquê o Bahia tem revelado tão pouco ultimamente.
E, ora, o Bahia ao longo de sua história sempre foi um time formador e que carrega em sua lista de ídolos e de grandes equipes formadas uma gama extensa de jogadores formados nas categorias de base ou no estado. E isso se dá pelo fato de que atletas desse perfil tendem a compreender de maneira mais intrínseca o DNA do clube. A falta de um trabalho forte e de um grande investimento nas categorias de base explica bastante o porquê o Bahia não consegue evoluir esportivamente. E qual o papel da torcida nesse insucesso?
Um assunto que permeia um debate interminável e que repercute em todas as esferas onde se reúnem entusiastas do carregador de multidões é o porquê a torcida do Bahia pega tanto no pé de atletas da base. Vaias, cyberbullyng, pedidos de dispensa, perguntas em coletivas motivadas pelo sentimento do torcedor, chuvas de críticas, desproporção, são algumas das coisas que a nossa apaixonada galera faz com um jogador da base quando ele oscila ou não possui um grande talento capaz de driblar os obstáculos e vingar logo de cara. Temos nossa parcela de culpa por não termos paciência para ajudar na formação do jogador.
Foto: Felipe Oliveira/EC Bahia / Divulgação
Em detrimento disso, temos demasiada paciência com jogadores medalhões que, no arriar das malas, já dá para ver que não passam de mais um processo trabalhista pro clube. Precisamos entender que muitos desses atletas da base do clube também são (ou foram) torcedores de arquibancada e pisar naquele gramado com nossa camisa é uma realização de um sonho. Poucos são os profissionais em qualquer área produtiva que estão maduros e prontos aos 19, 20 anos e com atletas não são diferentes. São sujeitos pressionados em essência. A pressão de mudar a vida da família, de vestir a camisa do time do coração, de não se deslumbrar com a mudança repentina de vida, de evoluir tática e fisicamente e dos resultados esportivos do time. E o Bahia tem uma culpa muito grande nessa relação torcida-atleta, pois, quase sempre estes são lançados em momentos turbulentos, para suprir a carência do elenco gerada pelos erros grosseiros de contratação que vêm sendo frequentes nas temporadas tricolores. Mas, contudo, não podemos desistir desse caminho que sempre foi o mais ligado a nosso DNA.
Atualmente, o elenco profissional do Bahia é formado por 35 atletas, sendo 14 formados nas categorias de base. No time titular atual, cinco são formados no clube, um deles formado desde os primeiros anos pelo clube (André) e quatro que foram contratados para finalizar sua formação no clube (Matheus Bahia, Patrick de Lucca, Ignacio e Gabriel Xavier). Meio time titular do Bahia formado pela divisão de base. Isso evidencia duas coisas: a primeira que formar jogador é o melhor caminho para o Bahia sempre e a segunda é que o Bahia erra mais de 60% das contratações que faz. Acertar contratação no Bahia é uma tarefa de extrema dificuldade. Atividade que poderia ser mais assertiva se o trabalho de base fosse mais sólido, reduzindo a quantidade de contratações e tentando elevar a qualidade.
Com a iminente venda do departamento de futebol do Bahia para grupos investidores, a tendência é o investimento em divisão de base aumentar significativamente. E é a partir daí que o Bahia vai retornar ao patamar que sempre foi seu e voltar a disputar títulos. Quem comprar a SAF do clube vai ter que realizar algumas reformulações para adequar a um perfil de excelência internacional de formação de atletas, mas já vai de cara encontrar talentos que facilitarão sua vida exponencialmente. Nomes como Gabriel, Vitinho, Patrick Verhon, Kauã Davi, Roger, Cuadrado, Abraão, Ryan, Redaelli e Everton tendem a figurar muito em breve no elenco principal do Bahia. E aí retorno ao nosso papel, enquanto torcedor, de fazer dar certo.
Hoje, 28 de Julho de 2021, é um dia histórico pro clube. Daremos o último passo para deixar pra trás de uma vez por todas a era trevosa e insalubre que o clube viveu com a corja. Hoje a ultima ferida será cicatrizada, nos remediaremos da ultima tentativa de assassinato que aqueles irresponsáveis fizeram ao nosso clube. A votação (e provável aprovação) do acordo para quitação da dívida do Bahia S.A. representará o fim de um tempo de amargor e tristeza e o potencial início de um período de crescimento. Ao que tudo indica, era o ultimo obstáculo que travava a discussão da venda do departamento de futebol do clube. Correndo tudo bem, o Bahia estará aberto a propostas e, caso confirme-se o nome especulado, estaremos diante de um grupo de investimento que labuta com formação de atletas.
Não devemos esperar um investimento milionário para catapultar o Bahia de uma prateleira mediana para um patamar de disputa de títulos. Esse processo será em longo prazo e com muito investimento na base. Nosso papel como torcedor é ajudar com palavras de incentivo, apoio nas arquibancadas, aceitação dos atletas no esquadrão e paciência com suas oscilações. E que tal se começássemos desde já? E se criássemos um ciclo virtuoso já nessa sexta? Só temos a ganhar com isso.
BBMP!
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