Simões Filho, Maio de 2010.
Estava eu acompanhando minha linda e adorável vovó Virgínia em uma de suas consultas médicas que quase sempre culminavam em caminhadas pelas ruas do antigo distrito de Água Comprida. E digo: – adorava estas caminhadas. Um dos motivos pelo qual eu adorava sair com ela era que ela adorava comprar – e comer – os ditos ‘badofes’. Em meio à compra de frutas e legumes na feira, as paradas para o lanche eram quase que exatas e aguardadas com ansiedade. Quem não gosta de bater papo e fazer um lanche com a vovó? Numa dessas, entretanto, acabei me avexando e, antes mesmo de ‘batermos perna’ entrando em lojas, analisando hortaliças e eticétera, solicitei a ansiada recompensa. Eis que minha avó, num dos tantos ditados e dizeres característicos do seu dialeto, solta: – meu filho, devagar com o andor que o santo é de barro.
Confesso que adorei o ditado, mas não o entendi plenamente naquele momento. Debrucei-me a pesquisar o que significava ‘andor’ e porque a matéria prima de construção do santo influenciaria no ritmo da procissão. Acontece que o altar que sustenta o santo, composto por hastes utilizadas pelos fiéis para carregar a imagem e feito com madeira, era o famoso andor descrito no ditado. Ademais, o andor já poderia estar apresentando um desgaste, exigindo cuidados no seu manuseamento. Já referente ao santo, o barro que foi utilizado para fabricação do santo é uma matéria prima frágil, que não suporta tombos, quedas e vibrações excessivas. Para não acabar com a procissão, é melhor agir com calma e cautela.
Feito o preâmbulo, venho apontar cinco razões para que nós, adeptos do Esquadrão de Aço, ou melhor, supporters of Steel Squad, termos calmos na forma como lidaremos com o ano de 2023 e o que está por vir, ou seja, devemos caminhar com cautela – e fé – para não falharmos na nossa procissão.
1 – Mudança de paradigma
Usei o termo paradigma, mas poderia ter usado ‘identidade’. Esse é um assunto que já venho abordando faz um tempo. Identidade é a forma como nos enxergamos e como o mundo nos enxerga. Nos últimos anos, nos acostumamos a ser um time sem modelo de jogo definido, sem um trabalho de divisão de base longínquo, sem transição base-profissional, sem plano de carreira para jogadores e treinadores, sem metas definidas e sem ambição. Por conta disso, votamos em alugar o nosso futebol por tempo indeterminado para um investidor com aprovação acima de 99%. Estamos ávidos e fartos de tanta quebra de expectativa, mas, a mudança leva tempo. O Grupo City está tomando ações em busca dessa mudança de identidade no. A começar pelo treinador português Renato Paiva e sua comissão técnica. Trata-se de um professor que utiliza em seus times o modelo de jogo popularizado pelo Barcelona, o chamado ‘jogo de posição’ (indico as seguintes leituras: Modelo de Jogo, de Kleyton Sampaio e Jogo de Posição, de André Andrade) e este modelo mexe com comportamentos dos atletas em campo, desde a forma como se domina a bola, sua movimentação e a tomada de decisão. Essa forma de fazer futebol leva tempo para ser implementada e nesse tempo de adaptação levaremos sustos, estranharemos, afinal, estamos acostumados a viver o loop: começar o primeiro semestre tentando ser propositivo contra times do campeonato baiano e de segunda e terceira prateleira do nordeste e no segundo semestre termos que mudar rota para um jogo reativo para conseguir ser minimamente competitivo no campeonato brasileiro. Nesse período virão jogadores bons, outros nem tanto, uns que animam a galera, outros não, mas sempre jogadores capazes de executar os movimentos necessários para jogar dessa forma. Isso vai interferir na formação de atletas nas bases do Bahia também, então não estranhem se houver uma leva de dispensas na base.
E diante disso, outra coisa que destaco de mudança significativa adotada pelo Grupo City é a chegada de Marcelo Teixeira para gerenciar nossa divisão de base. Trata-se de um dos melhores do Brasil no quesito e com certeza capaz de tocar essa mudança de identidade de formação. A tendência é, finalmente, termos um trabalho em longo prazo nas categorias de base do Bahia.
Foto: Felipe Oliveira/EcBahia
2 – Calma com os choques de realidade
Durante esse ano de 2023, o Bahia certamente tomará alguns choques de realidade para demarcar o trabalho. Desde esdrúxulas derrotas como tomar 1×0 da Jacuipense no Eliel Martins as 21h50min com gol de cabeça em escanteio no primeiro pau a alguma traumática eliminação que nos acostumamos a vivenciar na era Bellintani no Bahia. Peço que não ateiem fogo às vestes e nem se descabelem (olha aí outro ditado da minha avó). Isso acontece nas melhores famílias e provavelmente passaremos por isso em algum momento. E digo mais: – quando tudo tiver consolidado e os primeiros resultados superlativos começarem a aparecer, ainda aparecerão River’s, Sampaios e Liverpool’s no nosso caminho. Inclusive, apesar de adorar essa política de contratações que o Bahia vem adotando de jovens promissores, sei que precisaremos de ajustes em algum momento no meado do ano de 2023 e estes choques de realidade podem trazer benefícios nesse aspecto.
Não é porque os profissionais do grupo usam de ciência e tecnologia avançada para tomar decisões que não cometem erros ou não tenham que ajustar rota. No irmão britânico, por exemplo, pagaram a importância de 117 milhões de euros num jogador chamado Grealish que, digo com absoluta certeza, se nascesse em Simões Filho, uma hora dessas estaria desfilando seu fraco futebol no campo do Juventus da quadra 7 vestindo um colete laranja. É claro que no meio dessas contratações, virão pedras bebas e jogadores que não corresponderão às expectativas. Portanto, tenhamos calma nas derrotas e cobremos na medida certa.
Foto: Felipe Oliveira/EcBahia
3 – Desapego com o passado recente
Imagine a seguinte situação:
Você adquire uma pequena fábrica e lá encontra no corpo de funcionários: uma boa equipe, com bons funcionários e alguns destaques como um mecânico experiente, de grande qualidade técnica, mas que só executa duas ordens de serviço por dia; um operador especialista em partida de planta, mas que no turno da noite religiosamente tira duas horas de descanso porque dorme e passa do horário no vestiário e um grande soldador, que tem problemas com horários e se atrasa várias vezes no mês. São bons profissionais, mas cheios de vícios de trabalho, acomodados com a posição deles na empresa. Pior: – para eles, é interessante que a empresa mantenha-se assim, afinal, é cômodo, já se acostumaram a trabalhar numa pequena empresa. Dessa forma, eles passam para os novatos sem perceber os seus vícios. O seu objetivo é dobrar a produtividade, você acha que é mais fácil fazer isso rompendo com esses funcionários ou tentando ensiná-los a trabalhar?
Um trabalhador que adquire vícios numa empresa pode render muito mais em outra empresa, onde não goza de prestígio. Pode sentir-se desafiado. Mas, o mesmo trabalhador render mais na mesma empresa só porque mudou a diretoria é muito mais complicado. Antiguidade é posto.
Recentemente, o Bahia teve alguns projetos de ídolos e um ídolo de verdade no clube. E, devido ao carinho, não é difícil ver torcedores pedindo o retorno desses jogadores. Nomes como Gregore, Artur e Gilberto sempre são citados nas indicações da galera. Lamento ser o portador da notícia, mas, o Bahia não irá repatriar ninguém. No máximo, algum jogador que saiu na divisão de base, não chegou a construir uma história profissional no Bahia e brilhou em outro lugar e ainda nutra ambições no Bahia. Assim como as eliminações, vice-campeonatos e rebaixamento foram traumáticos para nós torcedores nos últimos anos, tenham certeza que também foi para os jogadores que estiveram em campo e se esforçaram para o Bahia crescer. Mas, quando você dá muito de si em um lugar e as coisas não acontecem, a tendência é dar uma largada, diminuir o ritmo. É inevitável internalizar que está em um lugar de pequena ambição e mudar essa mentalidade é quase impossível.
Repatriar um jogador para o Bahia hoje poderia significar trazer um profissional cheio de vícios, com uma visão formada sobre o Bahia, mais velho e que, devido ao prestígio adquirido, provavelmente custaria uma valorização salarial significativa para atuar de novo no Bahia. Fora que, para os supersticiosos, não existe um histórico favorável de jogadores que o Bahia recontratou e foram bem na segunda passagem. Mudança de mentalidade também pede desapego ao que havia aqui anteriormente.
Foto: Felipe Oliveira/EC Bahia
4 – Entendimento de metas
Eu não vou dar uma de realista aqui, dizer que não estou animado, que não estou esperançoso e que não estou ansioso para que o Bahia comece a lascar em banda todo mundo que chegar pra enfrentá-lo, mas é importante entender o que está sendo prometido e o que de oficial já saiu. Observem as entrevistas coletivas dos jogadores, a entrevista de Renato Paiva e a própria proposta. Todo mundo está alinhado com os objetivos. As metas já estão traçadas. E elas são:
1 – Ser campeão baiano e nordestino.
2 – Fazer 45 pontos com algumas rodadas de antecedência.
Portanto, pode até ser que tudo aconteça muito rápido pro Bahia, mas pra eles parece claro que sabem a dificuldade que enfrentarão. E até esse perfil de elenco que está sendo montado indica que demoraremos uns 3 anos para começar a termos resultados importantes. Então, se em 2023 as expectativas não forem correspondidas da forma como queremos, que tenhamos calma, pois, não nos foi prometido isso e existe um caminho a trilhar para chegar lá.
Foto: Felipe Oliveira / ECBahia
5 – Não adotar megalomania
Mas, se a coisa engrenar logo de cara e já pegarmos uma libertadores, chegarmos numa final de copa do Brasil ou algum resultado inédito em nossa história, vamos combinar de permanecermos humildes e modestos? Não adianta ser megalomaníaco, deixa o relvado falar. Sei que existe uma raiva reprimida, sobretudo com imprensa e torcedores de times de fora. Como disse Soriano, atrairemos antipatia organicamente, não adianta cair na neurose de responder provocação. Vamos apenas desfrutar.
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