Embora os dicionários costumem definir, de modo mais comum, o termo desilusão como decepção e desengano e prevaleçam esses sinônimos, de acepção essencialmente negativa, arraigados na consciência coletiva, quero aqui tratar desse tema buscando a ele conferir uma conotação positiva.
Se ilusão é engano, então desilusão é não ser mais enganado, haja vista o prefixo de origem latina dês ou dis, de descarado ou, como diz o nobre colunista Vladimir, o ex-vezinho, discarado, em bom baianês, significar negação, separação. Assim, a desilusão nega a ilusão, separa-a do indivíduo e resulta um nível de consciência agora superior ao anterior, ao de iludido.
Há quem afirme que somente os ingênuos são felizes. Outros, que somente a verdade liberta.
Quando crianças, somos puros, ingênuos, adotamos, uns mais, outros menos, diversas crenças. Chegamos a acreditar que um sujeito de barbas brancas enormes, em trajes vermelhos bizarros para o nosso padrão de vestimenta e inadequados ao nosso clima tropical, nos deixa, na madrugada, enquanto dormimos, o sonhado presente de Natal nos nossos sapatos alçados à janela. E como somos felizes na nossa santa ilusão de menino!
À medida que crescemos, vamos nos desiludindo, desvelando realidades e nos tornando menos sorridentes, mais soturnos, sorumbáticos. Afinal, nesse planetinha desigual e atrasado a realidade é quase sempre difícil, pior de suportar do que a ilusão.
E é justamente na ilusão da infância que nos identificamos com um time de futebol. Seja porque está na moda, porque nele joga um sujeito carismático de dribles desconcertantes e corte de cabelo moicano, por ser o time dos nossos pais, por ser o maior campeão de algum lugar e ficaremos inebriados com a sensação de um triunfo. Enfim, seja lá qual for o motivo, carregamos essa ilusão para o resto das nossas vidas com uma fidelidade que, via de regra, não se dispensa a nenhum outro ser ou objeto. É por isso que somos Bahia, Porra!
Será que suportaríamos a verdade nua e crua revelada em todas as coisas desse mundo por vezes cruel e injusto? Não seria a ilusão uma espécie de mal necessário a nos ajudar a suportar ou a, pelo menos, tornar um pouco mais leve ou menos pesada a existência?
Vamos lá, encaremos a verdade tal qual ela é. O que seria o fato de torcer pelo Bahia ou por outro time qualquer, senão uma quimera infantil? O que acrescenta em termos pragmáticos às nossas vidas torcer para que nosso time ganhe sempre, como se isto fora possível?
Tudo bem, somos diversos e heterogêneos. Alguns de nós sabemos nos utilizar de metáforas e relativizar os fenômenos, dentre eles o de torcer por um time de futebol, preservando alguma lucidez nessa atitude.
A outros, mais nada interessa, a não ser o time em campo, como se este fosse uma entidade mágica que o reconhecesse independentemente do seu poder de influenciá-lo. Tal influência se daria, simplesmente, com o fervor da sua crença, das suas superstições, do seu grito de guerra nos estádios, mesmo que o clube que mantém esse time de futebol o afaste de si, administre-o mal e em defesa de interesses que pouco têm a ver com os da entidade, contrate péssimos jogadores e dilapide o seu patrimônio, pagando bem a tais pernas de pau, perdendo, por descuido, atletas jovens e promissores formados no próprio clube e seja administrado por alguém que o tenha por seu e, por isso mesmo, faça dele o que bem entende, sem se preocupar se você, torcedor que só se preocupa com o seu time em campo, está satisfeito ou não com desempenho pífio que lhe é oferecido.
A desilusão nos diz que somente deveríamos ser Bahia se o Bahia se doasse a nós. Um Bahia que nos nega e se nega a nós, não deveria, à luz da razão, merecer de nós o fervor, muitas vezes incondicional, que lhe dedicamos.
Por outro lado, essa mesma desilusão nos ensina que as transformações sociais advêm da conscientização, da luta, do despertar. Por isso, melhor do que abandonarmos a nossa bela ilusão de infância, é lutar para transformar o seu objeto, no caso, o Bahia.
Há momentos em que a humanidade parece, quase que do nada, despertar, como se um raio de luz invisível iluminasse consciências e fizesse ver, simultaneamente, ao corpo coletivo um novo patamar civilizatório logo ali a ser alcançado e pululam primaveras árabes em diversos cantos do planeta.
Parece que chegou ao povo brasileiro, também, esse raio de luz, a partir de quando começa a buscar, pelas ruas das cidades, fazer valer a sua voz. Ao Bahia também chegou, inclusive antes, esse momento. E quando é chegada a hora, o movimento da maré é inexorável, a ele não há quem resista, a transformação é inevitável e vem a galope. Ou cede ou sai de baixo. Xô Ilusão!
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