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Coluna

Newton Sena
Publicada em 03/11/2019 às 13h42

Bahia, o clube do povo

Nasci Bahia, cresci Bahia, vivo Bahia, sempre tive paixão em vestir a sua camisa, onde quer que eu estivesse, mas hoje é mais do que isso, é orgulho. Orgulho não por mais um título de glória. Não, é muito maior do que isso. Orgulho, pois ele transcendeu ao futebol, ao campo, aos meros gritos da arquibancada. Orgulho por ter se tornado um clube inclusivo, de respeito à diversidade e, principalmente, por ter tido coragem de fazê-lo numa sociedade tão dividida, individualista e conservadora.

Para se tornar o clube do povo não precisou tomar posição partidária, até porque não deveria – e não poderia – fazê-lo. Bastou apenas perceber que não é um mero time de futebol, que treina, joga, ganha, empata e eventualmente perde, e que esse ciclo se renova a cada semana, mês ou ano.

Não, o Bahia percebeu ser maior que isso. Percebeu que não vive numa bolha, alheio à realidade em que está inserido. Salvador tem uma história secular, primeira capital do país, rica em cultura, com uma gastronomia própria, belos edifícios históricos, palco de grandes acontecimentos nacionais, berço da primeira Santa nascida no Brasil, mas, ao mesmo tempo, é uma cidade que reflete muito bem as desigualdades sociais do país, o flagelo de grande parte do povo, a exclusão dos mais vulneráveis, a invisibilidade diária das minorias.

O Bahia ainda não conseguiu dar novamente a sua torcida uma grande conquista, como as de 1959 e 1988, mas fez mais: trouxe o seu povo para o campo, abriu as suas portas, tocou nas feridas da sociedade, sem medo.

Óbvio que ações como as que o clube tem tomado não agradam a toda torcida, pois ela é heterogênea e é bom que assim seja. Enquanto neste ano os resultados do campo eram bons, com disputa real por uma vaga na próxima Taça Libertadores, a parcela mais conservadora da torcida não manifestava a sua insatisfação, o seu incomodo com aquelas ações.

Todavia, com os recentes maus resultados, já há quem relacione um fato ao outro, como se caso o Bahia tivesse se omitido o colocasse em primeiro lugar no Campeonato Brasileiro, fizesse a bola entrar no gol adversário e o goleiro do Bahia se tornar intransponível.

Ora, nenhum outro clube no atual Campeonato Brasileiro teve a coragem de se posicionar tão firmemente em questões como preconceito racial, homofobia, totalitarismo, misoginia, crianças que crescem sem conhecer quem é o seu pai, dentre outras não menos importantes, todavia, há quem esteja em primeiro lugar, assim como há quem irá cair, e nenhum deles, feliz ou infelizmente, é o Bahia.

A realidade é que nacionalmente, com o investimento que o Bahia pode fazer neste ano, não teria condições de competir sequer com os grandes clubes de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, quanto mais dos de São Paulo e Rio de Janeiro, todavia, ainda assim, deveremos terminar o campeonato à frente de vários deles. Ainda creio que fiquemos entre os dez primeiros, quiçá os oito.

Esta já é a melhor campanha do time na história dos pontos corridos do Campeonato Brasileiro, ou seja, dos últimos dezesseis anos. Pela primeira vez, em todos esses anos, nenhum torcedor fez conta contra o rebaixamento, aliás, a Série B sequer foi assunto, para o torcedor do Bahia.

Mas, mesmo se o time estivesse em último, ainda assim teria valido se posicionar, mostrar à sociedade que futebol vai além das quatro linhas, que pode ser um instrumento de transformação social, um vetor de conscientização.

Para quem pensa que o Bahia deveria se preocupar, única e exclusivamente, na escalação do próximo jogo, no técnico da próxima temporada, no próximo jogador a ser contratado, há de refletir que o Bahia também é uma marca, e essa marca nunca esteve tão exposta positivamente como agora, sem qualquer custo, e não foi graças a um gol qualquer.

Espero que o Bahia nunca retroaja, que continue a ser o verdadeiro clube do povo, em respeito a mim, a você, mas principalmente a Ajuricaba, Angelo Kretã, Ângelo Xavier, Bahetá, Caboclo Marcelino, Crispim de Leão, Cunhambebe, Dadá, Francisco Rodelas, João Baetinga, Josefa Pataxó, Mandu Ladino, Mané Garrincha, Manuel Quadrado, Marçal Tupã-y, Maria Venâncio, Mário Juruna, Pedro Poty, Rosalino Xakriabá, Samado Santos, Sebereba Aricobé, Sepé Tiaraju, Vitorino Condá, Armando Apako, Babau Tupinambá, Ceiça Pitaguary, Daniel Cabixi, Davi Yanomami, Eunice Kerexu, Galdino Pataxó, Gersem Baniwa, Joel Braz, Joênia Wapichana, Lázaro Kiriri, Maikele Tupinambá, Maninha, Maria Leusa, Maroto Kaimbé, Nivalda Amotara, Pequena, Quitéria Binga, Raoni Metuktire, Sônia Guajajara, Tuíra Kayapó, Valdelice Verón, Xicão Xukuru, Zumbi dos Palmares, Milton Santos, Dandara, Moa do Katendê, 5. Luiza Bairros, Ganga Zumba, Maria Felipa, Mãe Menininha, Luis Gama, Batatinha, Ederaldo Gentil, Neguinho do Samba, Mestre Bimba, Luísa Mahin, Jonatas Conceição, Teodoro Sampaio, Biriba, Carlito, Manoel Querino, Edison Carneiro, e tantos outros que sonharam e sonham com um país mais inclusivo.

A Santa Dulce dos Pobres aplaudiria, com toda certeza.

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