O Fazendão condensado em uma pequena granja.
A Granja Solar. Lá é palco, em 1945, da Revolução dos Bichos – livro de George Orwell que reconta os meandros da Revolução Russa em formato de fábula.
Embora curto, o livro passeia por diversas fases da insurreição que levou a cabo o ditatorial sistema czarista, sobrepondo uma nova classe política de ideais inicialmente difusos.
O mérito da obra é recontar como forças antagônicas se organizam após o desfecho de um grande levante. É neste tocante que vejo paralelos com a atual — e ainda cambaleante — vida política do Esporte Clube Bahia.
Recém-saído de um sistema intransigente (análogo ao modelo feudal), em 2013, o clube ainda respira as primeiras brisas democráticas, ao passo que descobre as dores e delícias da vigência de um novo paradigma.
A eleição que consagrou Marcelo SantAna à presidência do clube, em dezembro passado, parece não ter se findado com o resultado das urnas. Oposição e situação vivem às turras. É o estado permanente de disputa eleitoral.
Há quem bata o pé e faça calundu para isso. O próprio presidente já deu declarações públicas alfinetando seus opositores. E estes mesmos não se desarmam com os avanços da nova diretoria.
Acho graça. Isto é a essência do próprio jogo democrático. Os queixumes são de quem desconhece as regras do combate. Os excessos sim são anormais, agravados, fácil supor, pela ainda embrionária democracia tricolor.
Mas redireciono após extenso preâmbulo.
Na democracia, o constrangimento é, sim, uma arma eficaz. E os partidários de SantAna descobriram isso. No último texto que escrevi para este brioso site, intitulado de “Sobre hibernação, CTs e transcons”, recebi uma enxurrada de críticas, algumas das quais me colocando sob suspeição por, supostamente, ser aliado de algum grupo de oposição.
Não, não sou. Não sou sequer sócio do Bahia. Nesta, e em qualquer outra contenda, me guio pelo inexorável paradoxo groucho-marxista. “Por princípio, não me associo a um clube que me aceite no seu quadro de sócios”. Sou jornalista.
Sim, verdade, estas mesmas palavras já foram ditas antes…
Mas, escutem, respondo unicamente por mim.
Sigamos.
Dentro da própria lógica do constrangimento, há uma passagem em Revolução que queria mesmo citar. É pura ciência política.
O livro tem 70 anos e, portanto, não sinto qualquer remorso pelo spoiler a seguir. Quando os animais destronam o dono da granja, chamado de Mr. Jones, eles elegem um novo sistema de governo.
Aos poucos, para justificar suas próprias ações, os animais apelam para o medo e constrangimento ao se dirigirem aos seus opositores. “Vocês querem que Mr Jones volte?”, perguntam aos magotes, sempre quando confrontados diante de suas idiossincrasias.
A fabricação de um inimigo ajuda a encobrir os próprios erros e a nebular a ação de aliados. Cabe bem para o caso dos Centros de Treinamento Cidade Tricolor e Fazendão, abordados na coluna anterior.
Na gestão de Marcelo Guimarães Filho, os dois CTs foram repassados para a OAS à espera de uma contrapartida com frouxas amarras.
O Bahia, desde então, zerou seu patrimônio. No mandato tampão de Schmidt fez-se até um vídeo exaltando que o clube havia recuperado os dois CTs, saltando de patrimônio 0% para 200%.
Não era verdade. E a própria gestão de SantAna não fez questão de esclarecer isso.
Ao ser confrontados, a resposta foi ao melhor estilo Granja Solar pós-revolucionária, indicando que a fundação do erro foi unicamente de quem entregou os CTs para a construtora.
Esta é uma meia verdade. Pois sim, é fato que MGF vaticinou o acordo que entregou os dois centros para a OAS. Mas também fato é que Schmidt não disse a verdade quando propagou ter recuperado os dois CTs. O mesmo vale para o não desmentido de SantAna.
Mr. Jones é um escudo conveniente demais.
Talvez até mesmo para encobrir que, embora tenha vencido as eleições com certeiras críticas a gestão de Schmidt, SantAna comemorou a conquista do título baiano ao lado do seu antigo alvo no campo de jogo.
Tornar todos estes questionamentos públicos não me faz querer o retrocesso do modelo democrático. É preciso maturidade para encara-los. Não quero Mr. Jones de volta. Não mesmo. Nem mesmo daquele que segue acompanhado do gentílico Carioca.
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