Outro dia estava eu e minha esposa em um intenso e longo debate. Foram quase duas horas em um toma lá dá cá propositivo acerca de como faremos a arrumação dos nossos objetos na disposição do quarto. Cansados do acúmulo de coisas em cadeiras e quaisquer espaços livres, chegamos a uma conclusão: – prateleiras. E em cima dessa constatação, traçamos o nosso projeto e combinamos quais objetos ficariam expostos nessas lindas peças de decoração e utilidade.
Coisas muito robustas, pesadas, grandes, necessitariam de prateleiras fortes, feitas de madeira de lei, com suportes reforçados. Coisas de menor massa, menor volume, de fácil acesso, pequenas e medianas, podem ficar numa prateleira menos reforçada, com menor custo de instalação. Feito isso, fomos às pesquisas realizar cotação para finalizarmos nosso projeto. Quanto às prateleiras fortes, decidimos chama-las de ‘prateleira dos grandes’ e essa prateleira de menor envergadura recebeu a alcunha de ‘prateleira dos medianos’.
No mundo do trabalho, essa forma de demarcar diferenças ocorre em diversas profissões. Por exemplo: – os técnicos de futebol. Na prateleira dos grandes estão os hegemônicos, acostumados a receber banhos de energético durante coletivas de imprensa. São pessoas firmes, de hábito e estilo definido. Acrescento: – são arrogantes. Um técnico grande quando acorda às cinco da manhã, toma um banho de sol e, dois copos d’água depois, vão para os aposentos sanitários realizar seu ritual petulante. O técnico grande é antes de tudo um César. Saem pra trabalhar com a empáfia de quem sabe tudo o que precisa fazer e domina por completo a arte do treinamento. Eles ajustam seus times, extraem o máximo dos atletas, fazem essa horda de atletas acreditarem que são melhores do que realmente são. E quando os jogadores não conseguem serem um pouco mais, eles os dispensam e com uma imposição soberana, mostram que são maiores que seus patrões e exigem melhoria. Porque para o técnico grande não basta ganhar, tem que ganhar de maneira totalitária, tem que espezinhar. Mas, para chegar a este grau de prepotência, tem que acumular muito título, tem que mudar a história de clubes. Poucos.
Voltando ao assunto, temos a prateleira dos medianos. Ah! Essa prateleira. Que coisa linda é o trabalho meia boca. O medíocre aproxima, humaniza. Nessa disposição temos uma gama de variedades. Do mais defensivo ao mais ofensivo, do mais enganador ao mais modesto, do mais propositivo ao mais reativo. O treinador mediano é uma realidade constante no futebol brasileiro. Digo mais: – predomínio. Eles são magníficos, culpam a tudo e todos por não conseguirem ter robustez para ser um grande. A culpa é do gramado, da iluminação, do calendário, dos dirigentes, dos atletas e até, pasmem, da torcida. Nem a razão de existir do futebol profissional escapa da leviana metralhadora de atribuição da responsabilidade do insucesso do técnico mediano. Uma insensatez audaz.
O Esporte Clube Bahia tem se notabilizado nos últimos anos como um posto de trabalho convidativo para técnicos medianos. Já não há recordações da última vez que um técnico que fugisse do convencional desembarcasse nas imediações do CT Evaristo de Macedo. E a atualidade reflete o padrão. O medianíssimo técnico tricolor está localizado no meio da régua dos medianos. Ele não é o mais defensivo, nem o mais ofensivo, nem o mais propositivo, tampouco o mais reativo, ele não usa termos difíceis na sua comunicação (como uns e outros) e também não é bonachão como seu antecessor. Ele é, literalmente, o médio dos medianos. Um status tão sensacional que reflete a alma.
Foto: Felipe Oliveira / E.C. Bahia
E não, minha intenção não é dizer que o treinador não possui qualidades notáveis, o mediano também tem suas aptidões. Por exemplo, o técnico atual do Bahia, que já está em sua segunda passagem, deixou alguma impressão positiva na primeira vez que treinou o clube por ter sido um técnico que gostava de usar a base e que possuía pelo menos três maneira de jogar bem definidas para tentar algum tipo de variação. E nessa sua segunda passagem, não foi diferente no início. O homem chegou e já incluiu nos relacionados atletas promissores, utilizou alguns no banco, outros como titular, deu oportunidades, agiu como um grande técnico agiria. Mais ainda: o técnico tricolor apresentou mais de uma forma de jogar. Fugiu do convencional. Parecia que estávamos presenciando a ascensão de um profissional de uma prateleira para a outra. Parecia. Acontece que o técnico do Bahia deu um jeito de se sabotar. Ele agarrou-se tanto a mediocridade que não consegue mais sentir raiva dela.
Começou sacando os atletas promissores da divisão de base do clube que ele mesmo oportunizou. Puniu o meio campista Gregory que foi responsável por quatro pontos (entrando como suplente) com o limbo eterno. Já Everton, atacante de grande potencial, autor de um belíssimo gol no jogo Bahia x Náutico foi penalizado pela sua qualidade e passou a não figurar mais entre relacionados, sendo preterido por rufiões, mocorongos, ogros e jagunços. E o caso mais emblemático: André. Lateral com passagens por seleções, numa posição extremamente carente no país inteiro, forte, rápido, habilidoso, com bons passes e cruzamentos, taticamente inteligente, na mão de um técnico grande, é transformado numa espécie de Alexander-Arnold comedor de caruru. Mas, na mão do mediano, ele senta no banco, pois, veio uma ordem do chefe que era pra escalar um fulano, um tal amigo de longa data, que precisava trabalhar. Fulano defende menos, ataca menos, com menos força, menos velocidade e cede pontos. Mas, o mediano apenas cumpre as ordens, mesmo que isso signifique jogar fora suas virtudes. Não tem brios.
A outra renúncia que o nosso resignado treinador fez foi a de possuir alternativas táticas. O homem é uma máquina de desistência, ele escalou o selecionado tricolor com três zagueiros e por detalhes não eliminou o atual finalista da libertadores na Copa do Brasil em sua própria casa. Após isso, o seu escrete atuando com essa formatação venceu o Guarani fora de casa e fez mais um punhado de partidas interessantes. E o que fez o nosso técnico? Sepultou a estratégia. Ele criou uma alternativa e ele mesmo a vetou, mesmo com resultados e com aceitação de torcedor. Quantas partidas desde então não deixaram a impressão que se tivesse utilizado a alternativa de esquema tático que ele implementou, o Bahia poderia ter melhor sorte?.
Chapecoense x Bahia — Foto: Reprodução GE
O problema do técnico mediano é que ele, ao se sabotar, leva o Bahia junto dele. Instaura um clima de medo e ansiedade na torcida com uma das campanhas de acesso mais tranquilas da história da competição. Nem o fato de estar o campeonato todo entre os quatro primeiros e faltando sete rodadas, possuir três rodadas de vantagem perante o quinto colocado causa tranquilidade na turma tricolor. O culpado disso tem nome e sobrenome. Pelo seu medo de ser feliz, de ser grande. Obriga a torcida a ser, acima de tudo, uma ávida secadora. Negacionista de estatísticas.
Pior ainda, o técnico tem utilizado da arrogância dos grandes. As últimas coletivas do treinador têm sido um misto de conformismo, empáfia e insegurança. Ele não assume nada. É de uma irresponsabilidade orgulhosa. Autoestima inapelável. Pedância audaciosa. Quase um despotismo esclarecido da própria mediocridade. É a falta de qualidade em estado puro. Um diamante bruto da inferioridade. Aí, meu leitor, quando chega nesse patamar é hora de fechar pra balanço. O técnico medíocre e humilde escuta conselho, já o técnico medíocre e soberbo, erra por convicção. Não à toa, o referido treinador possui trabalhos com três meses de validade. Começa melhorando alguma coisa em relação ao treinador anterior no primeiro mês, no segundo começa a oscilar, no terceiro briga com todo mundo, faz um monte de besteira e acaba desligado. Vai esperar sair do G4 pra corrigir?.
BBMP!
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