Pela primeira vez na história do Brasil, o dia da Consciência Negra é feriado nacional. Em meio a inúmeras ações de combate ao racismo no futebol, em especial várias delas partindo do Bahia, um dos personagens que mais vestiram a camisa da luta antirracista no Esquadrão foi o técnico Roger Machado.
Treinador tricolor entre 2019 e 2020, Roger é uma voz ativa no combate ao racismo dentro do futebol brasileiro e, sobretudo, na sociedade. Em sua passagem pelo Bahia, participou de ações representativas e expôs suas opiniões.
No site “The Players Tribune Brasil”, Roger Machado teve seu texto publicado exatamente neste dia 20 de novembro, dia da Consciência Negra, e destacou a importância da sua passagem pelo Bahia por fatores não só profissionais, mas sobretudo como pessoa, por, em suas palavras “ter se sentindo parte do normal” vivendo em Salvador.
Leia o texto escrito por Roger Machado sobre seu trabalho no Bahia:
“O futebol também me abriu muitas janelas. Talvez a mais representativa delas, contribuindo para que eu me enxergasse de forma completamente diferente, é a do Bahia. Ou melhor, da Bahia.
Ter morado por 18 meses em Salvador foi uma experiência memorável. Não só por ter trabalhado num clube onde eu me senti encorajado e empoderado para falar sobre valores sociais que compartilhamos, mas por ter sido o lugar onde resgatei minha ancestralidade.
Deveria parecer normal sair de casa e enxergar no outdoor ou na propaganda de televisão uma pessoa de pele escura com cabelo black solto, mas a gente sabe que não é. A sociedade tem outros padrões.
Mas em Salvador isso é normal. Tu olha pro lado, vê um homem negro num carro importado e passa a imaginar que ele pode ser um advogado, um engenheiro ou um empresário, e não um motorista, um jogador de futebol ou um pagodeiro. Tu desconstrói teus preconceitos, porque tu começa a te enxergar no rosto dos outros. Automaticamente, tu revigora tua autoestima.
Eu me senti como parte do normal na Bahia. A tal ponto de tomar a iniciativa de fazer o teste de DNA para tentar me descobrir mais a fundo, descobrir a minha identidade. E aí eu tive uma revelação surpreendente.
25% mesoamericano e andino. 22% queniano. 19% nigeriano. 18% italiano!
O restante é uma mistura de seis grupos étnicos distintos.
A partir do momento que tu conhece tuas origens e se vê representado na televisão, nos jornais e nos livros, teu entendimento sobre a vida ganha outra dimensão.
Desde criança, eu fui ensinado a pensar que a história negra começou nos navios que traziam indivíduos escravizados. A escola não mostrava meu povo como protagonista da formação do Brasil. Pelos ensinamentos que aprendi, eu hoje deveria achar normal que no shopping perguntem à minha parceira Camile, que é branca, se uma das nossas filhas, que puxou a minha cor e o meu cabelo, é adotada.
As janelas que o futebol — e os livros — me abriram mostram que não, isso não deve ser aceito como parte do normal. Nossa história não se resume à escravidão nem ao racismo.”
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